Uma doença rara tem causado dificuldade entre os médicos para fazer um diagnóstico preciso. Trata-se da SHUa (Síndrome Hemolítico Urêmica Atípica), que segundo o Comdora (Comitê de Doenças Raras da Sociedade Brasileira de Nefrologia), atinge cerca de 2 e 5 pessoas a cada um milhão no mundo.
A nutricionista Pamela Notário, 37 anos, de Rondonópolis, descobriu a doença em 2018. Ela relatou que foi diagnosticada no momento em que desistia da faculdade de Direito e chegou a ver 39 médicos dentro de sua UTI, uma cena incomum nesses casos. "Me senti num zoológico", disse ao portal UOL.
Antes de descobrir a síndrome, Pamela constantemente apresentou sintomas de pneumonia, que se tornou crônica. Ela tinha fadiga e cansaço extremos, que dificultavam sua ida ao trabalho. De acordo com a nutricionista, os médicos acreditavam que a doença era de fundo emocional.
Ao lado do marido, decidiu comer um lanche (hambúrguer), entretanto no dia seguinte teve muito inchaço. A priori, pensou que fosse uma alergia, mas ao chegar ao hospital foi informada de que seus rins não estavam mais funcionando. A nutricionista, então, foi transferida do Pronto-Socorro direto para a UTI.
"Fomos de UTI aérea para São Paulo e o diagnóstico também demorou. Precisei de hemodiálise e troca de plasma, e acabei tendo o diagnóstico da síndrome", relata.
Sempre fui muito preocupada com minha saúde, cuidava da alimentação. Nunca imaginei que estava doente, apesar de estar tossindo há quatro meses seguidos e com uma fadiga muito grande, um cansaço extremo, lembra a nutricionista. ao site Metrópoles.
A nefrologista Maria Helena Vaisbish, do Hospital das Clínicas de São Paulo, divulgou um relatório que evidencia que 56% dos pacientes são jovens mulheres de cerca de 20 anos. Elas apresentam um quadro de insuficiência renal.
"Trata-se de uma doença ultrarrara. Para você pensar em uma doença rara, tem que ter ouvido falar dela. Muitas vezes a gente acaba se deparando com casos em que os profissionais não têm ideia do que seja essa patologia", explicou.
Dessa forma, a SHUa altera as proteínas do chamado sistema do complemento, que atuam nas defesas do organismo. A síndrome desregula algumas das proteínas codificadas por um grupo de genes, explica a nefrologista.
"Nessa doença, existe uma exacerbação da reação natural, que é a defesa do organismo. Ela acaba levando a uma lesão celular na parede do vaso sanguíneo e à formação de trombos dentro das células. O paciente terá então anemia e perda de plaquetas", descreve Maria Helena Vaisbish.
Diante disso, as equipes médicas encontram pacientes com alterações sanguíneas e renais e não tem ideia de que esses sintomas possam estar relacionados à SHUa.
"Forma-se uma espécie de coágulo dentro dos vasos sanguíneos, impedindo a oxigenação adequada dos órgãos irrigados por esses vasos, levando a uma deficiência do funcionamento deles. Um dos fatores observados em quase 100% dos casos da SHUa é a lesão renal aguda", explica a médica brasileira.
"A questão emocional é muito forte. Os médicos te tratam como um estudo de caso. Lembro de uma cena que me marcou muito. Eu estava no quarto, na UTI, e chegaram 39 médicos. Eles conversavam como se eu não estivesse ali. Eu me senti como um bicho de zoológico", diz a Pamela.
Esse período foi terrível. Passei por 39 médicos até descobrir a síndrome. Sou uma pessoa muito positiva, tinha certeza que melhoraria e que não achavam nada no meu corpo porque eu não tinha nada. Mas quando descobrimos a SHUa, fui tratar de entender meu diagnóstico e saber contra que inimigo eu estava lutando, lembra a nutricionista. ao Metrópoles.
Na época, Pamela teve que ser transferida de Cuiabá, no Mato-Grosso, para São Paulo em virtude da piora do quadro. Apenas seis meses depois, a nutricionista conseguiu retomar a sua vida normal.
Segundo especialistas, é importante que os exames para identificar a doença sejam feitos antes da intervenção médica. Neles, são detectados os genes alterados e o desenvolvimento da patologia, que é uma emergência médica por afetar os rins.
"É uma doença que ainda está sendo mapeada no mundo, inclusive em relação às alterações genéticas. Existe muita necessidade de esclarecimento sobre a SHUa e seus diagnósticos diferenciais", reitera Vaisbish.
O ideal é que o diagnóstico seja rápido, feito em até 48 horas após os primeiros sintomas, para fazer o tratamento sem prejudicar a saúde dos pacientes e evitar os efeitos cascata da doença, explica Vaisbich.
Além da falência renal e do cansaço extremo, os pacientes também podem ter sintomas gastrointestinais, cardiovasculares e até cerebrais.
Caso a síndrome seja diagnosticada a tempo, o paciente consegue contornar as complicações com um tratamento à base de anticorpos monoclonais específicos.
Segundo Pamela, muitos pacientes não têm acesso gratuito aos remédios, que são bem caros. Muitas pessoas acabam dependendo da hemodiálise e até buscam a solução em outros países.
Pamela, então, passou a utilizar uma medicação injetável a cada 15 dias e viu sua função renal retornar à normalidade. A molécula é fornecida pelo seu plano de saúde, mas também está disponível no SUS.
"É difícil lidar com essas doenças invisíveis. As pessoas não entendem o que é você estar sentada e cansada, e precisar deitar. A fadiga é extrema", diz Pamela.
A maioria das informações sobre a SHUa são muito alarmistas, mas, na verdade, a doença pode ser tratada desde que o diagnóstico chegue à tempo, afirma.
Pamela busca transformar sua experiência em algo positivo e levar uma vida normal. Além disso, trabalha para divulgar a doença e é representante do Brasil no Conselho Internacional sobre a patologia.