SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Carrefour Brasil inaugurou em março sua primeira franquia no país, um formato já usado pelo grupo em 39 países. A loja é na bandeira Express, com investimento inicial previsto em R$ 150 mil.
O único ponto aberto até o momento está em um condomínio residencial em Guarulhos, na Grande São Paulo.
A empresa não revela quantas franquias pretende abrir no Brasil neste ano nem se o modelo deve ser reproduzido em outros estados.
Na França, porém, o modelo é alvo de protestos, porque o Carrefour estaria transformando várias lojas próprias em franquias, com consequentes demissões. Segundo críticos, trata-se de uma reestruturação disfarçada.
Questionado pela Folha, o Carrefour afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a franquia implementada no Brasil é diferente da francesa.
"O modelo adotado no Brasil é exclusivo para novas lojas, ou seja, lojas que são criadas em novos locais e passam a existir neste modelo", afirmou. Segundo a empresa, a expansão de lojas próprias do grupo continua.
A varejista conta com uma unidade de negócio dedicada às franquias, a Divisão de Proximidade do grupo, responsável por implementar também o projeto das primeiras unidades de loja autônoma (sem funcionários) do Carrefour Express, em condomínios residenciais e corporativos.
De acordo com a empresa, o franqueado recebe apoio comercial e operacional do Carrefour, que cuida da compra dos produtos e da logística.
30 mil empregos cortados na França após avanço das franquias
Segundo reportagens do jornal francês Le Monde, desde a chegada de Alexandre Bompard à liderança do Carrefour, em julho de 2017, o grupo vem terceirizando dezenas de supermercados e hipermercados, sendo que hoje a maioria das lojas de conveniência é gerida sob o sistema de franquias.
A CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), que reúne sindicatos franceses, entrou na Justiça no dia 11 de março contra o Carrefour por prática abusiva de franchising e gestão de aluguel (a unidade Carrefour Property faz a gestão do portfólio imobiliário da companhia).
O sindicato pede 23 milhões de euros (R$ 124 milhões) de indenização e o fim da transferência de lojas para esses regimes.
Em 2018, o Carrefour empregava com suas lojas próprias na França cerca de 115 mil funcionários. Hoje, são 85 mil, o que representa um corte de 30 mil vagas, diz o Le Monde, citando a CFDT. Até então, o Carrefour era o maior empregador privado da França.
Os ex-funcionários se queixam da piora nas condições de trabalho após a transformação das lojas em franquias, com aumento das horas trabalhadas aos domingos e queda na remuneração.
Em média, os trabalhadores perderam 2.300 euros por ano (R$ 12,4 mil), uma vez que deixaram de receber participação nos lucros.
Na França, ao final de 2022, entre as 5.945 lojas do grupo, 96,7% das lojas de conveniência, 74,3% dos supermercados e 29,1% dos hipermercados eram geridos por franqueados, sendo que as franquias representaram 90% das aberturas de lojas na Europa, diz o Le Monde.
Hoje, a empresa soma 5.273 lojas na França, sendo a maioria (3.959) de conveniência, 1.071 supermercados Carrefour Market e 243 hipermercados.
Para este ano, a meta é terceirizar 16 hipermercados e 21 supermercados no país, que empregam cerca de 4.000 funcionários, diz o jornal francês.
Em 2022, no anúncio do plano estratégico quadrienal, o "Carrefour 2026", Bompard sugeriu novos cortes de funcionários, para tornar o grupo uma "organização mais simples", "mais ágil", "mais eficiente".
"O Carrefour precisa de um choque de simplificação ", disse à época, segundo o Le Monde.
Ex-diretor lançou livro denunciando abusos do modelo
Jérôme Coulombel, ex-diretor jurídico do Departamento Contencioso do Carrefour França até 2018, causou o furor da empresa quando lançou, em setembro do ano passado, o livro "Carrefour, la grande arnaque" -"Carrefour, a grande fraude", em tradução livre (Editions du Rocher, 272 páginas).
No livro, ele conta bastidores da gigante francesa, que diz adotar "um sistema desequilibrado que causa inúmeras vítimas: fornecedores sob pressão, aos quais são impostas exigências desproporcionais, até mesmo fictícias; franqueados, estrangulados financeiramente e mantidos aprisionados por contrato; colaboradores que perdem os seus benefícios sociais quando não aderem a planos de layoff [suspensão temporária do contrato de trabalho]; e, em última análise, os clientes que pagam cada vez mais".
Coulombel foi cofundador da Associação de Franqueados Carrefour em 2020. No livro, ele traz depoimentos de franqueados da rede, que considera vítimas de uma "ratoeira".
Segundo o Le Monde, Coulombel foi acusado pelo antigo empregador de roubo, chantagem e extorsão, mas acabou absolvido.
À época do lançamento, o Carrefour afirmou que os litígios com franqueados representam "menos de 1% dos seus contratos de franquia" e "refletem desentendimentos ocasionais."
Por aqui, o Carrefour Brasil é o maior grupo de varejo alimentar do país. Além das bandeiras Carrefour e Carrefour Express, é dono do Atacadão, Carrefour Bairro, Carrefour Market, Nacional, Super Bompreço, Todo Dia e Sam's Club.
A empresa conta ainda com uma rede de drogarias, de postos de combustíveis e um banco. Faturou R$ 115,4 bilhões em 2023, quando apurou um prejuízo líquido de R$ 639 milhões. Tem 1.188 lojas no Brasil.
O grupo é o maior empregador privado do país. Até 2022, tinha cerca de 150 mil funcionários. Mas desde outubro fechou 104 lojas consideradas deficitárias e deve encerrar mais 19 até o final do segundo trimestre. Estima-se que o corte atinja cerca de 12 mil funcionários.