O mercado recebeu com a desconfiança a Nova Política Industrial (NPI) anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, em Brasília, da qual são protagonistas o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior, e principalmente o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. A ausência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, gerou especulações de que haveria um racha na equipe econômica. O resultado foi a alta do dólar e a queda na Bovespa, indicadores que refletem a desconfiança dos investidores, quando o resultado deveria ser uma injeção de otimismo nos agentes econômicos.
O governo federal pretende disponibilizar R$ 300 bilhões em financiamentos destinados à nova política industrial até 2026, por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Serão disponibilizados R$ 271 bilhões na modalidade reembolsável e R$ 21 bilhões de forma não reembolsável, além de R$ 8 bilhões em recursos por meio de mercado de capitais.
Parte da desconfiança tem muito a ver com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem a Pernambuco, na quinta-feira passada, quando visitou as obras da refinaria Abreu e Lima, que foram reiniciadas. O presidente da República exumou de uma só vez os escândalos do chamado “petróleo”, a Operação Lava-Jato e velho discurso do “O petróleo é nosso”: “A história ainda vai ser contada. Mas eu vou dizer uma coisa como presidente da República, tudo o que aconteceu neste país foi uma mancomunação entre alguns juízes, alguns procuradores desse país subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos que queria e nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras”, disse Lula.
Com a política anunciada ontem, Lula exumou também a “a nova matriz econômica”, que levou à derrocada o governo Dilma Rousseff. Isso gera a desconfiança de que optou pelo “capitalismo de estado” como modelo de desenvolvimento. Para o líder comunista Vladimir Lênin, cuja morte completou 100 anos neste mês, o “capitalismo de estado” era antessala do socialismo. Estava enganado, era apenas uma face do capitalismo, como contestou o teórico bolchevique Nikolai Bukharin.
A outra face foi via de industrialização dos regimes fascistas, em resposta à crise de 1929, e também de países do chamado terceiro mundo, entre os quais a Argentina e o Brasil, principalmente durante o regime militar. O capitalismo de estado pode ser a antessala de qualquer coisa, inclusive dos regimes “iliberais” como os da Polônia, Hungria, Turquia e Indonésia, por exemplo, ou da modernização acelerada da China comunista.
Metas ambiciosas
Uma das causas do colapso do regime soviético foi a tentativa feita por Mikhail Gorbatchov de modernizar os ultrapassados “combinados industriais”, com a importação de máquinas e equipamentos da ordem de 10% do PIB, no final dos anos 1980, em vez de abrir a economia, como depois faria a China. Enquanto isso, os Estados Unidos apostaram no Vale do Silício, na Califórnia. O iPhone, lançado em janeiro de 2007, por Steve Jobs, é o produto mais lucrativo e revolucionário deste século. O smartphone mudou o comportamento e a economia.
Mas não haveria smartphone sem microprocessadores, circuitos de memória, unidades de gravação, cristais líquidos, baterias de lítio, hardware. Nem algoritmos, que transformam sinais analógicos em digitais; internet, HTTP e HTML, redes de telefonia móvel, GPS e ecrã tátil e comandos de voz. A história desses componentes começa com um investimento público, principalmente do governo norte-americano. O xis da questão é onde e como investir na modernização.
O programa Nova Indústria Brasil (NIB) define o governo como principal indutor do desenvolvimento do setor. Suas metas são ambiciosas: aumentar a participação do setor agroindustrial no PIB agropecuário para 50% e alcançar 70% de mecanização dos estabelecimentos de agricultura familiar, com o suprimento de pelo menos 95% do mercado por máquinas e equipamentos de produção nacional, garantindo a sustentabilidade ambiental; produzir, no país, 70% das necessidades nacionais em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos e tecnologias em saúde.
Reduzir o tempo de deslocamento de casa para o trabalho em 20%, aumentando em 25 pontos percentuais o adensamento produtivo na cadeia de transporte público sustentável; transformar digitalmente 90% das empresas industriais brasileiras, assegurando que a participação da produção nacional triplique nos segmentos de novas tecnologias;
Promover a indústria verde reduzindo em 30% a emissão de CO2 por valor adicionado do PIB da indústria, ampliando em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes, e aumentando o uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano; e obter autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas para a defesa O xis da questão é onde e como investir nesses setores. Se for com reserva de mercado e inflação, para financiar e salvar a velha indústria, não há a menor chance de dar certo.