Sou do tempo em que passar o réveillon no Automóvel Clube era o máximo. Todas as pessoas conhecidas estavam lá. Quanto à atual boate Príncipe de Gales, ainda era apenas o salão que o príncipe do mesmo nome havia visitado. Tinha ali a mesa de salgadinhos para quem não quisesse ficar no Salão Dourado e preferia ouvir o piano de Tulio Silva. O Iate era também ótimo e bastante diferente, o que imperava era o carnaval puro e simples, com muito lança-perfume para quem gostava.
Não sei como andam essas festas nos dias atuais, se elas continuam funcionando. Só sei que as de antigamente eram ótimas, terminavam de madrugada com um café da manhã em minha casa, com muitos pães e bolos, para abafar um pouco a bebedeira, que era difícil não assumir.
Depois disso, levei a tradição para outros países, com ou sem amigos, e, para falar a verdade, nenhum réveillon chegava aos pés dos belo-horizontinos.
O primeiro a que fui, com um grupo grande, foi na Ilha da Madeira, onde a atração maior era parar a festa à meia-noite para ouvir os navios que chegavam ao largo do mar, apitando e soltando fogos. Uma tolice pura, o melhor mesmo era descer os morros da ilha em carrinhos de laranja.
Tentei o Chile, com a festa no hotel chiquérrimo no qual nos hospedamos. Como estávamos sozinhos, a tradição era ocupar lugar em mesa de duas outras pessoas, totalmente desconhecidas, é claro. A informalidade ia pro brejo na primeira tentativa, difícil despedir-se do ano com pessoas desconhecidas, mesmo procurando ser agradáveis.
Em Nova York, tentei três vezes. A melhor delas foi a última: fomos a um salão naquele ponto da cidade em que os foliões fecham a rua, e as festas lá em cima são só para convidados. E absolutamente normais. O casal que estava conosco tinha marcado lugar num salão que vai rodando durante a noite, a vista da rua é total. Batidas as 12 badaladas do fim do ano, pista de dança cheia, o hino americano foi cantado, um hino de igreja foi tocado e lá se foi a noite.
Resolvemos voltar a pé para o hotel e, no caminho, ganhei de um folião uma fila de balões prateados, que levei para o hotel. Começava a nevar e de manhã, bem cedo, vi da janela do hotel um rapaz já andando de esqui de neve na Quinta Avenida. A complicação foi conseguir táxi. Como era o primeiro dia do ano e ainda por cima nevava, foi uma luta descobrir um para rodar conosco.
Na segunda vez, ouvi falar tanto da Tavern on the Green, no Central Park, que combinamos de ir para lá. Lugar lindo, festa no alto da torre e o mesmo cerimonial. Batidas as 12 horas, a festa terminava numa boa. Para completar a melodia, fomos convidados a passar a última noite do ano na casa de um parente de amigos nossos, onde se veria tudo: dos fogos na Quinta Avenida ao barulhão da comemoração. Na realidade, não se via nem se ouvia nada, a noite não poderia ter sido mais chocha.
Para não falar que esqueci a festa do Rio de Janeiro, também fomos lá. O hotel na Barra foi um problema. Os táxis só levavam um casal, não esperavam o fim da festa e nos bares e restaurantes da Atlântica não tinha um só lugar. O negócio era ficar na areia para ver de perto o festival de fogos, os navios de longe mandando luzes. Acabado o cansaço, o negócio era descobrir como voltar para a Barra, táxi não havia. Terror é pouco, memória de uma noite feliz é nenhuma.
Esses desconfortos me deram uma certeza: melhor mesmo da última noite do ano é ficar em casa com a família, desfrutar um bom e gelado champanhe, substituir a ceia normal por deliciosos salgadinhos, louvar o ano que está chegando, agradecendo a Deus as graças obtidas. O resto não existe, é só sonho de uma noite de verão...