Nada melhor para iniciar o ano do que uma história envolvendo caso bem-sucedido na área de saúde, com informações importantes sobre a pouco conhecida síndrome da quilomicronemia familiar.
Quando tinha 24 anos, a assistente administrativa Ângela L., hoje com 59, passou mal no trabalho e foi levada às pressas para o hospital, onde ficou internada por 19 dias, cinco deles na UTI. Os exames apontaram uma grave inflamação no pâncreas.
“Os médicos disseram que meu caso era gravíssimo, mas consegui me recuperar. Passei a ser acompanhada por endocrinologistas, até que uma profissional suspeitou de doença hereditária, a síndrome da quilomicronemia familiar, conhecida como SQF”, relembra.
Doença rara, genética e hereditária, a SQF gera acúmulo de triglicérides no sangue, causando dores abdominais, alterações gastrointestinais e graves crises de pancreatite. Faz com que a pessoa precise seguir dieta restrita a até 20 gramas diárias de gordura.
Investigando a história da família, Ângela descobriu diversos casos de casamentos consanguíneos, bem como parentes com altas taxas de triglicérides, pancreatite crônica e mortes sem diagnóstico definido.
A médica Maria Cristina Izar explica que alguns dos sintomas da SQF são alterações na retina, perda de memória, fadiga e lesões na pele ocasionadas pela deposição de gorduras que se manifestam de forma heterogênea, o que pode dificultar o diagnóstico.
“A pancreatite aguda é a principal e mais grave consequência da SQF, causada pelo acúmulo de gordura que leva à obstrução dos vasos sanguíneos do pâncreas. Isso gera a inflamação do órgão, dores incapacitantes e pode até levar à morte”, afirma a especialista, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Em relação ao diagnóstico, o principal indício é o nível de triglicérides no sangue. “Em pessoas saudáveis, a taxa de triglicérides fica em torno de 150mg/dL. Já em pessoas com SQF, o índice supera 1.000mg/dL, podendo atingir valores acima de 10.000mg/dL. Este é um importante indicativo da doença,
principalmente se as altas taxas são acompanhadas de outros sintomas”, informa Maria Cristina Izar.
Por meio do exame de DNA, Ângela confirmou o diagnóstico de SQF. Apesar de ter hábitos alimentares saudáveis, adotou dieta bastante restrita, o que representou um desafio para ela.
“Preparo minha alimentação separadamente daquelas do meu filho e do meu marido. Tenho rotina cheia de privações, com impacto significativo na vida social”, conta ela, que participa de ações para alertar sobre a síndrome da quilomicronemia familiar.
Um grupo de nutricionistas desenvolveu o livro “Descobrindo novos sabores”, disponível on-line, destinado a quem tem SQF. Ele reúne receitas práticas, com baixo teor de gordura e fáceis de serem preparadas.
Especialistas chamam a atenção para a importância de conscientizar profissionais de saúde e a sociedade sobre esta síndrome. A doença pode se manifestar em qualquer momento da vida, inclusive no nascimento. Nesse caso, é necessário evitar amamentação com leite materno.