
Saudades de Angel Vianna
Lúcia Helena Monteiro Machado relembra o boom cultural na BH dos anos 1950, destacando a importância de Angel e Klauss Vianna para a dança brasileira
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A coluna hoje cede espaço a Lúcia Helena Monteiro Machado, muito ligada à cultura de Minas Gerais, que chama a atenção para o casal que desempenhou papel importantíssimo na dança brasileira: os belo-horizontinos Klauss Vianna (1928-1992) e Angel Vianna (1928-2024).
“Em dezembro, faleceu Angel Vianna, que faz parte da história de Belo Horizonte com seu marido, o coreógrafo Klauss Vianna. Em 2017, fui prestar um depoimento sobre o casal na Universidade de Sorbonne, em Paris. Vocês leram corretamente: esses dois mineiros foram homenageados em Paris, numa das mais famosas universidades da Europa.
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A homenagem durou um dia. O programa se chamou Créer à Deux. Um grande cartaz mostrava o casal sentado de costas um para o outro, com toda a programação do dia glorioso. Já houve alguma coisa parecida em Belo Horizonte? Não que eu saiba. Mineiros têm memória curta.

Um dos escritores da geração de Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos disse, certa vez: 'Mineiro que fica em Minas é porque nasceu com defeito de fabricação'. Eu e meu marido, Carlos Denis, ficamos em BH e nos sentimos atingidos por esta afirmação. Mas a ausência de memória sobre o que ocorreu na capital em fins da década de 1950 comprova a pouca importância dada a produções geradas aqui. Olhamos para São Paulo e Rio como se fossem as duas únicas cidades produtoras de cultura.
Explico melhor o que ocorreu, para esclarecer as novas gerações. Belo Horizonte era uma cidade sem teatros. O único era o Francisco Nunes, de precariedade espantosa. Quando chovia, o teto de amianto, ou coisa parecida, fazia um barulhão ensurdecedor que prejudicava seriamente o que acontecia no palco, fosse peça, concerto ou dança.
No entanto, nessa época sombria aconteceu um boom cultural impressionante em BH. Havia o Madrigal Renascentista, o Teatro Experimental, o Teatro Universitário e o Ballet Klauss Vianna. Sem falar dos pintores que faziam maravilhas, capitaneados por Alberto da Veiga Guignard. A modernidade se impunha para o público acanhado, pouco acostumado a manifestações mais avançadas.
O Teatro Experimental, criado por um grupo de intelectuais, ousou levar ao palco 'A cantora careca', de Ionesco, famoso autor do chamado Teatro do Absurdo. Também se levou ao palco 'Fim de jogo', de Samuel Beckett, pela primeira vez no Brasil.
E havia o Ballet Klauss Vianna. Posso falar com conhecimento de causa porque tive a honra de ser uma das bailarinas. Jovens burguesas interessadas em arte, mas com pouco preparo no que dizia respeito à dança, conhecíamos os grandes balés e não esperávamos ser introduzidas no que havia de mais moderno no terreno.
Klauss era um gênio da coreografia. Homem culto, queria que as bailarinas também fossem. Conhecia bem a literatura brasileira e começou a se guiar por ela. O primeiro balé foi baseado em um poema de Carlos Drummond de Andrade, 'Caso do vestido'. A música não existia. Dançávamos com o ritmo das palavras recitadas pelos componentes do Teatro Experimental. Nem fora do Brasil se faziam coisas do tipo.
Depois veio 'Arabela, a donzela e o mito', baseado em 'O amanuense Belmiro', de Cyro dos Anjos. Como o livro se passa em uma repartição pública, Klauss nos fez dançar com o barulho de máquinas de escrever.
Tudo isso vem a propósito das saudades de Angel Vianna, que se foi aos 96 anos. Pessoa dinâmica, além de dançar, era talentosa escultora. Fundou, no Rio, a primeira faculdade de dança do país. Felizmente, um belíssimo filme retrata sua vida e obra. Nós, colegas e amigos, sentimos falta de sua energia e sua alegria. Foi dançar em outras paragens.”
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.