Segundo o boletim 'Elas vivem', uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas -  (crédito: Karolina Grabowska/Pexels)

Segundo o boletim 'Elas vivem', uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas

crédito: Karolina Grabowska/Pexels

Imagine a seguinte situação: Uma mulher sofre com a violência física e mental praticada por seu marido. Ela é alvo constante de ameaças desse homem. Diante dessa situação crítica, ela procura a orientação de uma autoridade religiosa e acaba escutando frases como:

  • “Não tome uma decisão precipitada, até porque divorcio é algo abominável e vergonhoso”;
  • “Você precisa ter paciência e pedir para o coração do seu marido mudar. Aguente firme”.
  • “Esse tempo de dor vai passar, você tem fé? Deus está cuidado de você. Ele vai restaurar seu casamento”;
  • “Se você ama a Deus? Ama seu marido? Então lute pelo seu casamento, não desista daquilo que Deus te deu”.
  • Você tem que usar a fé, essa situação é o diabo se levantando contra sua vida, tentando destruir sua família. Então vai para casa é seja submissa”.

O que você acabou de ler acima são algumas das manifestações do abuso religioso praticado contra mulheres Brasil afora.

Muitas dessas vítimas chegam a serem ainda mais oprimidas pelo abuso religioso: “Não denuncie ele! Seu marido está desse jeito, porque você orou pouco”, “a mulher sábia edifica a casa, se seu marido não te trata bem é porque você não está sendo mulher de Deus o suficiente”.

Esse abuso refere-se ao uso indevido de crenças ou práticas religiosas para controlar, manipular ou prejudicar outras pessoas. Isso pode incluir coerção psicológica, exploração financeira, manipulação emocional e até mesmo violência física, tudo em nome da religião. Ou seja, infelizmente, algumas pessoas usam a fé como uma ferramenta para exercer poder sobre os outros, o que pode ter sérias consequências para as vítimas.

Nos últimos meses, vem repercutindo nas redes sociais casos de relacionamentos abusivos, onde as mulheres agredidas ou ameaçadas, chegaram a procurar orientação com religiosos e acabaram incentivadas ou coagidas a permanecerem no relacionamento abusivo. Alguns desses casos terminaram em feminicídio.

Durante a minha infância e adolescência, presenciei várias vezes mulheres do meu ciclo recebendo a seguinte orientação de pessoas religiosas: “sei que não é fácil apanhar do meu marido, mas se você separar, vai acabar dando lugar na sua cama para o mal entrar, é isso que você quer?” Desde muito cedo, essa frase sempre me assustou.

Além de enfrentar ameaças e, em muitos casos, sofrer agressões físicas, essa mulher também carrega o peso da culpa espiritual e o sentimento de que tem a "obrigação" de suportar tais abusos.

Entenda, esse artigo não tem a intenção de falar mal das religiosas, e sim demonstrar como o mal uso das religiões por figuras de autoridade e membros/integrantes dessas instituições, podem servir de ferramenta para oprimir ainda mais as mulheres.

Deixo aqui um alerta para algumas maneiras comuns dos abusos da religião e suas consequências:

Controle excessivo sobre as decisões pessoais: Algumas interpretações religiosas podem promover o controle excessivo sobre as decisões pessoais, incluindo aquelas relacionadas ao casamento, divórcio, contracepção e outras questões familiares. Isso pode criar um ambiente propício para o abuso, onde uma parte se sente justificada em exercer controle coercitivo sobre a outra.

Interpretações distorcidas de ensinamentos religiosos: Se líderes religiosos interpretam de maneira distorcida, e só apresentam textos isolados, para justificar a supremacia masculina ou para incentivar a submissão da mulher, isso pode criar um ambiente que legitima a violência doméstica.

Crenças sobre o papel da mulher: Em muitas religiões, é amplamente defendido que a mulher seja submissa ao homem (algo que é extremamente problemático e recheado de machismo). E essa defesa é utilizada como justificativa para comportamentos abusivos, já que o agressor pode alegar estar exercendo uma suposta autoridade religiosa. Recentemente um líder religioso durante uma pregação falou por diversas vezes que: “Você quer manter seu casamento? Não teima com seu marido mulher, se ele disser rasteja aí, rasteja”.


Estigmatização do divórcio: Se uma comunidade religiosa desencoraja fortemente o divórcio, mesmo em situações de abuso, as vítimas podem sentir-se presas em relacionamentos violentos, temendo represálias ou julgamentos da comunidade se buscarem ajuda ou se separarem.

É importante reforçar que essas situações citadas acima não refletem a totalidade das práticas religiosas, mas destacam como interpretações distorcidas e extremas podem contribuir para um ambiente propício à violência doméstica. Ou seja, a religião não deve ser usada como uma ferramenta para perpetuar o controle e a opressão, e o abuso religioso merece ser reconhecido e combatido da mesma forma que outras formas de abuso.

Por último deixou aqui diferentes exemplos das manifestações do que configura um relacionamento abuso:

Violência física: se caracteriza por qualquer ação que prejudique a integridade ou saúde do corpo da mulher, como empurrões, puxões de cabelo, tapas, chutes, mordidas e apertões.

 

Violência psicológica: muitas vezes subestimada, é uma forma comum na qual o agressor causa danos emocionais, diminui a autoestima e interfere no pleno desenvolvimento da mulher. Isso pode incluir o controle dos comportamentos e decisões da mulher através de ameaças, humilhações, gritos, xingamentos, apelidos pejorativos, isolamento, vigilância constante, perseguição persistente e violação da intimidade.

 

Violência sexual: ocorre quando a mulher é coagida a realizar atos sexuais mesmo sem ter vontade. É crucial ressaltar que essa realidade também afeta mulheres casadas, uma vez que o matrimônio não justifica a imposição de relações sexuais. Abrangendo também situações como impedimento do uso de contraceptivos, forçada à gestação ou ao aborto, ou induzida a comercializar sua sexualidade.

 

Violência patrimonial: quando há prejuízo ou restrições aos bens, dinheiro, instrumentos de trabalho ou documentos da mulher.

 

Violência moral: por último, qualquer ação que envolva calúnia, difamação ou injúria é considerada violência moral.

 

O que sucede após uma ameaça? A concretização dessa ameaça.


Segundo a Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha), configura violência doméstica e familiar contra a mulher:

 

Essa ação ou omissão que causa dano ou sofrimento à mulher pode ocorrer no ambiente doméstico (dentro de casa), no espaço da família (entre parentes, mesmo que não morem juntos) e em qualquer relação íntima de afeto, mesmo que o casal não esteja mais junto.

Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que resulte em morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, dano moral ou patrimonial.

 

O que é Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180?


O Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias de violações contra as mulheres, a central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos.