Se você revisitar meus artigos aqui, certamente encontrará relatos sobre as vivências de pessoas trans no Brasil, especialmente de pessoas trans negras. Estas vivências revelam uma estrutura que incessantemente tenta apagar nossas existências, que diariamente busca diminuir nossa dignidade e nossa identidade, e que nos priva do direito à saúde, educação, segurança, moradia e lazer. Vivemos em uma sociedade onde, por meio de “piadas”, “brincadeiras” e falas transfóbicas, tenta-se usurpar nossa humanidade. Tal cenário impacta diretamente nossa saúde mental. Não há dúvidas de que nossa luta é imensa, urgente e diária.

 



 

Diante disso, fica evidente a necessidade de falar abertamente sobre as nossas dores e violações de direitos que a décadas são jogadas para debaixo do tapete e ignoradas pelo poder público, universo corporativo e sociedade civil.

 

Mas no final do ano passado, uma experiência me fez perceber como é importante também criar outros caminhos de resistência diante da transfobia. Em novembro de 2023, pela primeira vez tive a oportunidade de ministrar aulas em uma pós-graduação tendo como temática as masculinidades. Durante as disciplinas, para enriquecer ainda mais as discussões, tivemos a presença de Bruno Santana. Ele é um homem negro, trans, professor, pesquisador, poeta, escritor e nordestino. Santana é licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual de Feira de Santana e detém uma pós-graduação em Gênero, Diversidade e Direitos Humanos pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.


A aula ministrada por Santana foi um verdadeiro marco. Ele não apenas compartilhou rico conhecimento, mas também provocou reflexões profundas. Um dos pontos altos foi a discussão sobre a importância de encontrar diferentes caminhos para resistir e enfrentar a transfobia e outros preconceitos. Santana destacou o papel crucial do afeto, da cultura e da preservação da memória nesse contexto. Essa abordagem ofereceu uma nova perspectiva sobre como enfrentar desafios sociais complexos, ressaltando a necessidade de uma luta que também abrace a sensibilidade e a valorização das histórias individuais e coletivas.


Santana ressaltou que a comunidade trans não se resume a estatísticas, dor e sofrimento. Ele enfatizou a importância de transcender as narrativas de violência, o que ressoa profundamente.

 

Bruno elucidou como diversos grupos marginalizados, incluindo mulheres, a comunidade LGBTIQIAPN+, a população negra e pessoas com deficiência, tiveram suas memórias e humanidades sistematicamente apagadas. A negação da humanidade, segundo ele, passa pela negação do afeto, do intelecto, da autoestima, da ancestralidade e da memória.


Santana reforçou que é hora de resgatar essas memórias, preservá-las e criar outras, deixando assim uma mensagem potente para o futuro: é possível sim criar outras narrativas, outras possibilidades, fortalecer nossa autoestima, valorizando nossa ancestralidade, que merecemos sim o afeto.

 

Como construímos outras perspectivas para a comunidade trans? Segundo Bruno Santana um dos caminhos é ressignificar e documentar o passado da comunidade trans no Brasil. Quem documenta a memória da comunidade trans no Brasil? Quem foram as pessoas e movimentos que no passado marcaram nossa trajetória? Onde estão documentadas essas memórias?

 

Outra abordagem para transformar as perspectivas sobre a população trans e travesti no Brasil envolve o desenvolvimento de programas, projetos e iniciativas atuais que promovam e estimulem a conexão entre a comunidade e diversas formas de expressão cultural, como a dança, a música, a literatura, grupos de estudo e o teatro. É fundamental que essas ações contemporâneas sejam devidamente documentadas, garantindo que a riqueza e a diversidade dessas interações culturais sejam preservadas para as futuras gerações.

 

Ou seja, nossos corpos e nossas existências têm o direito de ocupar outros lugares, lugares de vida, de memória positiva, de vibração, territórios de afeto. Como Bruno disse, esses lugares evidenciam nossa potência, nossa força, nosso intelecto, autoestima e nossa ancestralidade. E nessa perspectiva, ao conviver com nossa comunidade nesses lugares, você, pessoa cisgênera, acaba acelerando seu processo de desconstruir vieses transfóbicos.

 

Segundo Bruno Santana: "documentar nossas memórias é semear futuros possíveis, rompendo com a lógica transfóbica e racista que aniquila nossas existências". Ainda segundo ele: “um povo sem memória é um povo que não sabe sonhar”.

 

Diante do aprendizado garante que o Bruno compartilhou, esse ano de 2024 desejo que nossas estratégias de luta também incluam a valorização das nossas potências, cultura, talentos, inteligência e força. Que seja um ano da construção de territórios de afeto para nossa comunidade. Nesse contexto, o poder público e as empresas têm papel crucial. Bora investir e dar visibilidade a esses projetos?

 

Hoje, 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans, deixou aqui indicações de projetos que celebram nossas vidas, nossas existências e fortalecem nossa caminhada e memória:


Projetos idealizados por Bruno Santana:

Trans Batukada


Transencruzilhadas - Memória Transmasculina Negra


Mostra Transgeneridades Negras

 

Uma das pessoas autoras do livro “Transmasculinidades Negras - Narrativas plurais em primeira pessoa”


Projeto Transceda: o projeto sociocultural fundado em 2018 por @venuzcomz_ e @raphagomez_, tem como objetivo democratizar o acesso a cultura e arte para a população transvestigenere. Através do viés artístico e histórico, o projeto busca retomar a história de pessoas transvestigeneres ao longo da história, e levar informação, conteúdo e arte transcentrada para o público.

 

Homens trans negros! Transmasculinidades Negras!

 

Se você digitar “homens trans” nas suas redes sociais, com certeza vai aparecer majoritariamente homens trans brancos. Diante disso, em abril de 2019 criei o perfil no instagram Homens trans negros! Transmasculinidades Negras!. O objetivo do perfil é fortalecer a representatividade e visibilidade de homens trans negras e transmasculinidades negras, compartilhando fotos, suas vivências e conquistas. Conquistas tanto coletivas como também algumas individuais, que também tem impacto positivo para a comunidade, como por exemplo a foto de formatura de pessoas trans negras masculinas. Nós existimos e resistimos!


Grafita! Trans: Projeto lindo criado em Brasília, para promover o direito à cidade para pessoas trans através do grafite com oficinas que envolvem socioeducação, turismo e a comunidade!

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