A realidade do suicídio entre jovens negros no Brasil revela um cenário alarmante. Dados do Ministério da Saúde indicam que o risco de suicídio entre adolescentes e jovens negros é 45% maior do que entre jovens brancos. Nos últimos anos, enquanto o risco permaneceu estável para a população branca, ele aumentou 12% entre jovens negros, especialmente aqueles com idades entre 10 e 29 anos. Dentro desse grupo, os homens negros são os mais afetados, com 50% mais chances de tirar a própria vida em comparação a jovens brancos da mesma faixa etária. Esses números refletem não apenas o impacto devastador do racismo na saúde mental, mas também as barreiras no acesso a tratamentos psicológicos e psiquiátricos adequados que a população negra enfrenta, barreiras essas amplificadas pelo racismo estrutural.
Além dos obstáculos externos, existe um fator interno que ainda afasta muitas pessoas negras de procurar ajuda: os estigmas sobre saúde mental passados de geração em geração em nossa comunidade ao longo. A ideia de que cuidar da mente é “fraqueza” foi perpetuada, impedindo que muitas pessoas busquem o apoio que precisam. É importante frisar que não estou dizendo que todas as pessoas negras são obrigadas a procurar terapia ou ajuda psiquiátrica. Porém, quando a necessidade surge, o estigma frequentemente se coloca como uma barreira.
Já ouvi muitas pessoas negras dizendo coisas como: “Depressão? Isso é falta de um tanque cheio de roupa para lavar”, “Stresse é excesso de frescura”, "Por que vou pagar alguém para ouvir meus problemas?", "Por que expor minhas questões para alguém que eu nem conheço?", ou "Sou forte o suficiente para resolver isso sozinho". Essas frases refletem um pensamento comum, onde a vulnerabilidade é vista como fraqueza. Além disso, há quem acredite que buscar esse tipo de ajuda significa falta de fé, como em afirmações do tipo: "Quem procura esse tipo de ajuda não tem Deus no coração", “Eu confio em Deus, não preciso de psiquiatra ou medicação” ou até "Depressão é coisa do demônio". Outros ainda até expressam a vontade de procurar ajuda, mas hesitam, dizendo: "Até quero procurar ajuda, mas tenho medo. Não sei o que dizer quando chegar lá”.
Mas porque falas como essas ainda são tão presentes em nossa comunidade? Como falei no início desse texto, é importante ressaltar que, por gerações, a população negra foi privada de acesso a cuidados de saúde mental devido à falta de recursos financeiros. Além disso, não tínhamos informações suficientes sobre o tema e, muitas vezes, fomos condicionados a acreditar no estigma de que "aguentamos tudo sozinhos". Esse pensamento foi passado de geração em geração, como disse Victor Armstrong, especialista em saúde mental com mais de 30 anos de experiência e ex-diretor da Divisão de Saúde Mental do Departamento de Serviços Humanos da Carolina do Norte:
“Para muitos na comunidade afro-americana, nossa história é de perseverança e resiliência. Afinal, sobrevivemos à escravidão; certamente, podemos sobreviver à ‘tristeza’ ou ‘ansiedade’. Nessa mentalidade, qualquer coisa menos seria considerada uma fraqueza espiritual ou moral. O problema, em parte, é que muitas vezes deixamos de reconhecer que a doença mental é muito mais do que sentir-se melancólico ou ansioso. Não é um sinal de fraqueza….Deixamos de reconhecer a doença mental como uma ‘doença’, assim como fazemos com o câncer, diabetes ou hipertensão” (Armstrong, National Council for Mental Wellbeing).
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E sei bem como o estigma pode nos afastar de procurar ajuda adequada para nossa mente. Há alguns anos, comecei a fazer terapia. Mas até os meus 25 anos, eu acreditava que isso era algo exclusivo para pessoas ricas e, naquela época, eu realmente não tinha condições financeiras. Além disso, não via a terapia como algo importante. Achava que, de alguma forma, precisava ser forte o suficiente para lidar com tudo sozinho. Com o tempo, percebi que essa resistência fazia parte da narrativa de um sistema que nos molda como máquinas de produção, ignorando o fato de que somos humanos e que nossa saúde mental também precisa de cuidados.
Nos últimos cinco anos, venho me dedicando ao acompanhamento psicológico de forma consistente. Há alguns anos, com o apoio de plataformas que oferecem valores mais acessíveis, consegui incluir a terapia como parte regular da minha vida. Recentemente, dei mais um passo importante ao reconhecer a necessidade de buscar acompanhamento psiquiátrico. Durante muito tempo, relutei por causa do preconceito e dos estigmas em torno do uso de medicamentos para a saúde mental, mas agora vou investir nessa jornada de cuidados.
Manter essa constância não é fácil, principalmente em um sistema que, além de dificultar o acesso à saúde mental, muitas vezes falha em garantir as necessidades básicas, como segurança alimentar, moradia, trabalho digno e acesso à saúde integral. Essas barreiras, resultantes do racismo estrutural e das desigualdades, agravam o sofrimento psíquico, fazendo com que cuidar da mente seja visto como um privilégio inacessível para muitos.
Mesmo diante desse desafio, por amor à minha saúde mental, decidi seguir o tratamento psiquiátrico e farmacológico, como parte do meu autocuidado. Porque, afinal, o trabalho pode esperar, mas minha saúde mental, não.
E se você é uma pessoa negra que precisa de atendimento psicológico ou psiquiátrico, mas no momento não tem condição de pagar uma consulta, tenho a indicação de uma lista de profissionais que atendem de graça ou com um valor acessível. É só me procurar nas minhas redes sociais (@arthurbugre).
Além disso, no Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza trabalho de escuta e acolhimento das pessoas em sofrimento, pelo site e pelo telefone 188.
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