Imagine o seguinte: você é uma cerimonialista talentosa, dedicada, cheia de planos. Uma empresária, reconhecendo seu trabalho, indica você para um casamento. Você fica animada com a possibilidade de mais um trabalho. Mas então, chega a mensagem: “Estamos preferindo um time de pessoas brancas”.
Foi exatamente isso que aconteceu em Piracicaba (SP). A noiva, ao receber a indicação de uma cerimonialista negra, enviou essa resposta à empresária que havia feito a recomendação. Essa frase curta e cruel carrega não apenas o peso da rejeição pessoal, mas o eco de séculos de exclusão racial no Brasil.
Ao acompanhar a repercussão desse caso absurdo, percebi que muitas pessoas estavam tentando defender a atitude dessa noiva “justificando” que era apenas uma “preferência”, ou apenas uma “escolha”. Mas entenda: O que parece uma "preferência pessoal" é, na verdade, uma expressão direta de racismo estrutural.
Racismo estrutural: o Crime perfeito
Como Djamila Ribeiro tão bem define, o racismo no Brasil é o “crime perfeito”: disfarçado, sofisticado e profundamente enraizado em práticas cotidianas. Essa mensagem da noiva, aparentemente simples, é na verdade o reflexo de um sistema que, desde a escravidão, nega oportunidades e direitos a pessoas negras.
Por mais de 300 anos, pessoas negras foram arrancadas de suas terras, forçadas a trabalhar sob condições desumanas e excluídas de qualquer possibilidade de ascensão social. Mesmo após a abolição, foram abandonadas sem políticas de integração, enquanto imigrantes europeus recebiam terras e subsídios para se estabelecer no Brasil. Esse contexto histórico moldou as bases do racismo estrutural que ainda persiste.
“Preferências” não são neutras
Dizer que a noiva “tem o direito de escolher” parece, à primeira vista, inofensivo. Mas escolha e liberdade de expressão não podem ser escudos para justificar a exclusão racial. É importante entender que essas "preferências" não surgem do nada. Elas são moldadas por uma lógica que associa competência e sofisticação à branquitude e desumaniza corpos negros.
Você consegue imaginar como é saber que sua cor de pele anula suas qualificações profissionais? Que não importa o quanto você seja competente, seu trabalho será rejeitado antes mesmo de ser conhecido? Essa é a realidade vivida por milhares de pessoas negras em diferentes setores no Brasil.
Quando racismo é crime
A mensagem enviada pela noiva configura racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, que criminaliza práticas discriminatórias com base em raça ou cor. Além disso, a situação pode ser interpretada como injúria racial, uma ofensa à dignidade de uma pessoa utilizando elementos referentes à sua raça ou cor, conforme o Código Penal Brasileiro.
Ao dizer que prefere “um time de pessoas brancas”, a noiva explicitamente exclui uma profissional negra, prejudicando-a em um contexto profissional e reforçando barreiras que limitam o acesso igualitário a oportunidades.
Reflexão necessária
Quando você escuta frases como “é apenas uma opinião” ou “é só uma preferência”, pergunte-se: qual é o impacto dessa opinião ou preferência? O que ela representa para a pessoa rejeitada, para a sociedade em que vivemos? O racismo não é uma escolha, nem uma opinião válida — é um crime que fere a dignidade humana e perpetua desigualdades históricas.
Esse caso em Piracicaba é mais do que uma mensagem infeliz; é um espelho do que ainda precisa ser enfrentado no Brasil. Não basta reconhecer o problema, é preciso combatê-lo ativamente, garantindo que ninguém seja excluído ou desumanizado por causa de sua cor de pele.
Como denunciar?
É fundamental que situações como essa sejam denunciadas. As vítimas podem registrar boletins de ocorrência em delegacias comuns ou especializadas, como a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Outros canais incluem:
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Disque 100: Serviço federal para denúncias de violação de direitos humanos.
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Plataforma FalaBR: Registro de denúncias online, de forma anônima, se necessário.
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Ministério Público: Pode ser acionado para investigar e acompanhar casos de racismo e injúria racial.
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*Arthur Bugre é um especialista em Diversidade, Equidade, Inclusão e Pertencimento (DEI&P). Como palestrante, dedica-se a transformar ambientes de trabalho em espaços verdadeiramente seguros e inclusivos. Bugre é um homem negro retinto, trans e neurodiverso, trazendo uma perspectiva única e autêntica às suas abordagens.
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