Dizem que fiquei louca, mas estão confundindo loucura com “cair na real”. Não fiquei louca, apenas vi a necessidade de abandonar a ilusão. Retirei, metaforicamente, dos meus olhos, as lentes turvas que me impediam de ver tanta coisa que prejudica nossa sociedade. Me dei conta de como era refém do patriarcado, cheia de ideias machistas, capacitistas, racistas, elitistas e preconceituosas.

Não fiquei louca, me desmontei e estou me reconstruindo, abandonando os caquinhos que não se encaixam mais em mim. Fabricando pedaços novos para se encaixarem no lugar daqueles que não me pertencem mais.

Talvez seja mesmo loucura mudar nosso olhar para o mundo, para a realidade. Talvez isso só seja possível depois de certa idade, quando já temos um repertório que nos permite ver aquilo que sempre esteve ali, mas não víamos. É preciso coragem para despertarmos para os nossos privilégios e nos colocarmos no lugar do outro. E quando despertamos para uma questão, vamos despertando para todas as outras. Já dizia Chico Science: “Um passo à frente e você já não está mais no mesmo lugar”.



É como no mito da caverna de Platão. Sócrates pede que Glauco imagine a existência de uma caverna onde prisioneiros vivem desde a infância com as mãos amarradas em uma parede. Esses prisioneiros podem avistar somente as sombras que são projetadas na parede situada à frente. As sombras são ocasionadas por uma fogueira, em cima de um tapume, situada na parte traseira da parede em que os homens estão presos. Homens passam ante a fogueira, fazem gestos e passam objetos, formando sombras que, de maneira distorcida, são todo o conhecimento que os prisioneiros tinham do mundo. Aquela parede da caverna, aquelas sombras e os ecos dos sons que as pessoas de cima produziam era o mundo restrito dos prisioneiros.

Repentinamente, um dos prisioneiros é liberto. Andando pela caverna, ele percebe que havia pessoas e uma fogueira projetando as sombras que ele julgava ser a totalidade do mundo. Ao encontrar a saída da caverna, ele tem um susto ao deparar-se com o mundo exterior. A luz solar ofusca sua visão e ele sente-se desamparado, desconfortável, deslocado.

Aos poucos, sua visão acostuma-se com a luz e ele começa a perceber a infinidade do mundo e da natureza que existe fora da caverna. Ele percebe que aquelas sombras, que ele julgava ser a realidade, na verdade são cópias imperfeitas de uma pequena parcela da realidade. Sua visão vai se acostumando com a luz, e ele começa a perceber a infinidade do mundo e da natureza que existe fora da caverna.

O prisioneiro liberto poderia escolher retornar para a caverna e libertar seus companheiros ou viver sua liberdade. Caso retornasse, poderia ser atacado por seus companheiros, que o julgariam como louco, mas poderia ser uma atitude necessária, por ser a coisa mais justa a se fazer.

Eu voltei para a caverna e comecei a contar o que vi lá fora, o preço que eu pago é ser chamada de louca. É um processo difícil olhar para o que temos de pior e conseguir ir jogando tudo aquilo fora. Mas é um caminho sem volta.

“Some say I'm crazy, I guess I'll always be” – Guns N' Roses

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