Eu tinha 23 anos, tinha acabado de sair de um namoro de quase três anos, até então o relacionamento mais longo que eu já havia tido. Eu quis terminar porque, embora eu fosse apaixonada por ele, eu gostava muito de mim para passar pelo o que ele vinha fazendo. Terminei dizendo que, embora ele não fosse homem suficiente para terminar comigo, eu era mulher o bastante para, mesmo gostando muito dele, dar um basta na relação. Fiquei péssima, mas fiquei melhor do que estava - aceitando migalhas. Firme na decisão de não voltar nunca mais, mas bebendo água de privada. Foi nessas condições emocionais que acabei ficando com um sujeito que eu conhecia de uma turma de amigos de faculdade.
Para mim seria uma distração, não era o momento de começar um novo relacionamento e sim de me recuperar e me sentir bem sozinha. Como estudávamos na PUC e tínhamos um amigo em comum, acabávamos nos vendo com frequência, e ele me pediu para namorar. Eu dei gargalhadas naquela hora: “Como assim, em 1998, alguém ainda pede outra pessoa em namoro, que coisa mais antiga!”.
Nunca respondi àquele pedido, mas ficamos juntos por algumas semanas. Até o dia em que estávamos num bar e ele começa a falar com um amigo que estava conosco que era a favor de relacionamentos abertos: “Eu dou conta de mais de uma, mas mulher minha não dá conta de outro”. Nem sei o que ele disse depois porque essas palavras ficaram ecoando na minha mente.
Aquela fala mexeu com a minha Deusa interior! Eu não tinha saído de um relacionamento “meia-boca” para entrar em uma roubada dessas! A sirene da cilada girava na minha cabeça e eu não ouvia mais nada!
Hoje, sei que aquele era o alerta de homem abusivo. Na época, eu sabia que tinha algo errado, mas ainda não tinha repertório para entender o que era. Mesmo sem repertório teórico, eu sabia o que deveria fazer na prática. Ele foi fazer uma prova e eu fui para a vinhada da biologia encontrar nossos amigos, e foi lá que apareceu a oportunidade para mostrar que relacionamento aberto nos olhos dos outros é refresco.
Quando ele terminou a prova e foi nos encontrar, eu estava conversando com a turma, com um homem lindo de quase dois metros de altura abraçado comigo. O tigrão de um metro e meio achou que fosse um “amigo gay”. Eu fui embora com uma amiga e deixei os dois lá, a missão já estava cumprida!
O bofe do relacionamento aberto só entendeu o ocorrido no dia seguinte e nós terminamos. Confesso que eu ainda fiquei com a consciência pesada por ter feito aquilo. Na época eu fiquei, hoje eu penso: “Minha filha, ele merecia muito mais!”. Na semana seguinte, ele aparece de penetra no churrasco de uma amiga e, como eu não me importei por ele ter levado uma mocinha, ele ficou com ódio. Eu estava sozinha na cozinha quando ele apareceu, me jogou no chão e pisou no meu pescoço. Quando consegui recuperar o fôlego e me levantar, ele já estava lá fora no meio da turma toda, ninguém tinha visto o que tinha acontecido. Nem sei o que eu fiz na hora, me lembro de estar no táxi sozinha, indo embora chorando de raiva.
Hoje eu teria ido direto a uma delegacia, mas naquela época a mulher tinha que viver a violência e guardar para si mesma. Durante um período, ele ainda ligava para minha casa, gritava ameaçando me matar, colocar fogo na minha casa e coisas assim. Claro, ele não fez nada, queria me intimidar, mas a gente sabe que tem homem que cumpre o prometido.
Vinte e seis anos depois, estou aqui me expondo, sabendo que vou ser julgada, que vai ter gente achando que eu mereci. Tudo bem, isso é ser mulher e há 49 anos eu lido com isso, ser responsabilizada por erros masculinos. Tive outros relacionamentos depois, me submeti a outros tipos de abuso, mas nada comparado ao que tantas outras mulheres passam todos os dias.
Foi vivendo e ouvindo histórias que encontrei o meu caminho, o de ajudar mulheres a identificar relacionamentos abusivos, a não se submeter, a ter forças para sair. Estou há 20 anos em um casamento saudável, onde existe diálogo e respeito, e é isso que eu desejo para todas as mulheres que escolherem estar com alguém.