A marmota é um roedor muito ativo no verão, mas que hiberna no subsolo durante o inverno, na cidade de Punxsutawney, a 120 quilômetros de Pittsburg, no estado de Pensilvânia, nos Estados Unidos. Anualmente, no dia 2 de fevereiro, acontece nessa cidadezinha, a festa do “Dia da Marmota”. Segundo a tradição, as marmotas têm o poder de prever a duração do inverno. Este é o cenário do filme “Groundhog Day” - em português, o Dia da Marmota, mas aqui no Brasil deram o nome de “Feitiço do Tempo”. Um filme lançado em 1993, mas que é atemporal. No filme, Phil (Bill Murray), um repórter de meteorologia de um canal de TV, vai a Punxsutawney para fazer uma matéria sobre o celebrado “Dia da Marmota”, pretendendo ir embora o quanto antes.
Inexplicavelmente, ele fica preso no tempo, condenado a vivenciar para sempre os eventos daquele dia.
É um filme interessantíssimo como pura diversão, mas também serve para explicar a depressão e a compulsão à repetição, a pulsão de vida e a pulsão de morte da psicanálise. Phill quer fazer a reportagem e ir embora logo, ele abomina aquele lugar, ele só pensa em si mesmo e nos seus problemas. Quando ele se vê obrigado a passar mais uma noite naquele lugar por causa de uma nevasca, ele se irrita profundamente. No dia seguinte ele acorda, mas não é o dia seguinte, é o Dia da Marmota outra vez, e isso se repete todos os dias, ou seja, ele está preso no dia 2 de fevereiro.
Nos primeiros dias ele se dá conta de que pode fazer o que quiser, sem limites, sem se preocupar se vai ser preso ou vai morrer. Ele é agressivo com as pessoas, não se importa com regras, ele sabe que não haverá punição duradoura, pois, quando acordar, terá o mesmo dia para reviver. Ele desconta suas frustrações nos outros. O tempo vai passando e o dia se torna insuportável, ele só pensa em morrer para não ter que repetir o processo, não ter que fazer a mesma reportagem, não ter que falar com as mesmas pessoas sobre os mesmos assuntos.
A depressão tem um componente narcísico muito forte, a pessoa se coloca numa posição onde só enxerga os seus problemas e fica esperando que outra pessoa os resolva. Ela pode até ajudar os outros para não ter que pensar em si mesma, mas o faz em busca de uma aprovação, de um reconhecimento e, quando ele não vem da forma como ela esperava, ela se deprime ainda mais. Ela pensa na morte como uma solução, mas também como uma forma de punir o outro. Phil repete os comportamentos destrutivos muitas e muitas vezes, e é isso que nós também costumamos fazer, repetir processos, em psicanálise isso se chama compulsão à repetição. Uma repetição destrutiva, um movimento mórbido de inércia que nos coloca em sofrimento, mas um sofrimento que gera prazer, pulsão de morte. Todo neurótico coloca a responsabilidade pelo que ele é no outro.
Como num processo de análise, a repetição destrutiva de Phil o leva a elaborar seus sentimentos e seu narcisismo, e ele passa a mudar seu comportamento parando de olhar apenas para si mesmo e passando a enxergar as pessoas ao seu redor. A pulsão de vida, o desejo que produz um bem querer. Ele passa a querer bem, com isso se torna querido por todos. O ego tem uma função de defesa, ele fica muito bem não querendo saber nada, porque o saber o tira da zona de conforto. A zona de conforto pode parecer boa, é muito difícil sair de lá, ficamos inertes. Sair da zona de conforto demanda um esforço, um movimento que nos abre para os outros e para muitas possibilidades. Quando Phil sai da sua zona de conforto, ele começa a ver as oportunidades, como aprender a tocar piano.
Não estamos bem o tempo todo, e nem devemos estar, mas é preciso entender que estar bem não pode depender somente dos fatores externos. Todo ser humano aspira felicidade, mas não somente, somos ambivalentes, queremos e não queremos. Toda pessoa ama e odeia, o que muda é como lidamos com o amor e com o ódio. Aquele que se analisa aprende a amar. E foi entendendo tudo isso, depois de muitas repetições, que Phil conseguiu chegar ao dia 3 de fevereiro.