Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)

É importante entender que não existe uma causa isolada para o suicídio; as questões são multifatoriais

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press

A ideia de que uma criança ou adolescente possa escolher a morte é algo sobre o qual ninguém quer ter que pensar. Infelizmente, isso acontece e nós precisamos falar, mesmo sabendo que teremos mais perguntas do que respostas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, e tem crescido também entre crianças de 5 a 14 anos, no Brasil e no mundo, e as famílias, as escolas e toda a sociedade têm um papel importante na prevenção de novos casos.


É importante entender que não existe uma causa isolada para o suicídio; as questões são multifatoriais. Uma pesquisa da Fiocruz mostrou que todos os casos de suicídio de crianças e adolescentes e tentativas pesquisados tinham uma história pregressa na família ou envolvendo amigos, colegas, vizinhos e conhecidos. Na maioria dos casos, ainda havia um histórico familiar de problemas psiquiátricos, como depressão e ansiedade, além de abuso do consumo de álcool. Esse levantamento demonstrou que os casos de tentativas ocorriam em contextos de vida marcados por mal-estar emocional, desafetos, insatisfações e vulnerabilidades.

 


A relação com o sofrimento pode ser muito devastadora para um adolescente devido à falta de bagagem emocional. Segundo Lacan, o suicida “não busca precisamente a morte, mas um estado de repouso das pedras”, o retorno a uma condição anterior ao sofrimento. Um fator de risco importante é a falta de esperança em relação ao futuro. Em “Três ensaios sobre a sexualidade”, Freud diz que “a adolescência é um túnel cavado dos dois lados”, ou seja, um túnel do presente que liga o passado ao futuro. Se há uma desesperança em relação ao futuro, qual o sentido de viver o presente?

 


O aumento no índice de suicídio infantil é um sintoma da época em que vivemos, uma época em que se exalta a imagem, o consumo e o individualismo. Existe uma adultização da agenda infantil. De um lado temos crianças em situação de vulnerabilidade, expostas e até envolvidas na criminalidade, desamparadas socialmente, usando drogas, deixando de ser crianças e passando por muito sofrimento. De outro, temos crianças criadas para serem eficientes e terem sucesso a qualquer preço, com uma agenda cheia de compromissos que as impedem de ter tempo de ser criança. Em ambos os lados temos crianças impedidas de viver a infância como ela deve ser vivida, infâncias sufocadas e silenciadas. Crianças angustiadas com impulso de morte associada a uma frustração.


Crianças e adolescentes que acreditam que não são o que deveriam ser. E as redes sociais contribuem muito para que sintam essa inadequação angustiante. Além dos filtros, das rotinas de skincare para crianças e de todos os padrões impostos, crianças e adolescentes também têm acesso a conteúdos sobre depressão, automutilação e suicídio. Sim, eles têm acesso a formas de tirar a própria vida nas redes sociais. Além disso, o bullying da vida real vira o cyberbullying, que pode ser muito mais violento no ambiente digital.

 


Muitos adolescentes e crianças, mesmo tendo menos de 13 anos, acabam tendo acesso a redes sociais, criando contas com nomes falsos sem o conhecimento dos pais. É impossível cada um se apoiar em si próprio. Crianças e adolescentes precisam do suporte dos pais, das escolas e da sociedade. Fazemos parte de um circuito de laços sociais. Precisamos do outro, precisamos do laço, da reconexão com o outro para nos reconectarmos. E precisamos conversar muito para modificar essa cultura de forma que ela se torne menos nociva.