Aos 7 anos, meu filho resolveu deixar o cabelo crescer. Foi uma escolha dele. Eu e o pai apoiamos porque ele pode ser do jeito que ele quiser e pode fazer as próprias escolhas. Só nos cabe orientar e apoiar, nunca impor. Um menino ter cabelo comprido não é padrão atual, por isso ele passou a ser confundido com menina e, até hoje, aos 15 anos, com voz grossa e pelos no rosto, ainda acontece essa confusão.

 




Quando ele era criança, sofreu bullying na escola por causa do cabelo. Uma vez, ele foi de coque samurai e um menino mais velho passou o recreio encarando. Ele acabou tirando. Não passou disso, ele me contou depois da aula, e nós conversamos a respeito, mas ele não usou o coque outra vez. Naquela época, ele me disse que não entendia por que muitos adultos achavam que ele é menina, uma vez que Zeus, o pai dos deuses da mitologia grega, que Jesus Cristo e que os Beatles tinham cabelo comprido. Ele tinha menos de 10 anos de vida e já tinha essas referências do masculino que muito adulto não tinha devido à imposição cultural de uma educação sexista na qual vestimos os meninos de azul e as meninas de rosa, e definimos papéis sociais de gênero dentro de um modelo binário.

 


Embora as crianças tenham interesses e potenciais diversos, independentemente do seu gênero, nós as educamos para que se encaixem nesse padrão em que as meninas serão matriculadas em aulas de balé e meninos vão jogar futebol; meninas vão brincar de casinha e de boneca, e meninos vão brincar de carrinho. É uma forma de educação sexista e limitante que acaba por impedir que crianças encontrem suas potencialidades.

 


Ainda com 7 anos, levei meu filho para uma feira que estava acontecendo no colégio, no início do ano letivo, para que ele escolhesse os cursos extras que ele gostaria de fazer. A gente passava pelos estandes para que ele conhecesse as atividades oferecidas e pudesse escolher. Ele saiu de lá matriculado nas aulas de robótica e de teatro, mas não na ginástica artística. Ele se interessou quando a moça explicou do que se tratava, me disse que gostaria de fazer, então, a responsável pelas inscrições disse, vendo que ele era um menino, que só meninas faziam aquela atividade. Perguntei se seria proibido para meninos, ela disse que não, mas que os meninos nunca se inscreviam. Eu disse que ele poderia ser o primeiro, mas depois daquelas falas, ele acabou desistindo. É assim que o binarismo de gênero vai sendo construído, a sociedade vai modelando meninos e meninas para que atuem conforme padrões de gênero de comportamento, de gestual, de estética. Vamos atribuindo papéis para cada gênero.

 


No Seminário II, o psicanalista Jacques Lacan diz que “no psiquismo não há nada pelo que o sujeito possa situar-se como ser de macho ou ser de fêmea (...) aquilo que se deve fazer, como homem ou mulher, o ser humano terá sempre que aprender, peça por peça, do Outro.” Brincar com bonecas ou com carrinhos não interfere na sexualidade de ninguém. Tanto os meninos quanto as meninas, brincando ou não de boneca, podem se tornar adultos hetero, homo ou bissexuais, cis ou transgêneros. Brincadeiras na infância não vão definir o gênero nem a orientação sexual. O importante é que sejam pessoas honestas, éticas e responsáveis.

 


A educação não sexista entende que os sujeitos têm as mesmas capacidades, independentemente de serem machos ou fêmeas, e busca reduzir esse abismo entre a masculinidade e a feminilidade, permitindo que crianças sejam apenas crianças e tenham a possibilidade de vivenciar os diversos tipos de jogos, brincadeiras e atividades. Os estereótipos de gênero acabam limitando as vivências dos meninos e das meninas.

 

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