É importante que a gente se ocupe com a vida para não se pegar com medo da morte -  (crédito: Pixabay)

É importante que a gente se ocupe com a vida para não se pegar com medo da morte

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Todo mundo vai morrer um dia. Se existe uma certeza na vida, é essa de que a vida acaba. Lidar com a finitude, embora seja um fato, é algo com o qual não nos habituamos.


A morte bateu na minha porta e disse: "Eu estou aqui". O ano era 2019, quando eu recebi um diagnóstico de câncer, doença que muita gente prefere não nomear e chama de “aquela doença “, justamente porque é associada à morte certa. Se você tem um câncer, você vai morrer de câncer, ideia que paira no imaginário popular. Fato é que eu abri o resultado daquela biópsia e lá estava ele: carcinoma invasivo com características lobulares ou meu atestado de morte.

 


Morri, mas passo bem. Conversei com a dona Morte, ali na porta mesmo. Nem a convidei para entrar e tomar um café. "Volte em outro momento, querida, que ando muito ocupada vivendo." É importante que a gente se ocupe com a vida para não se pegar com medo da morte. O fantasma da recidiva sempre está por perto de quem passou por um câncer. Eu mando o meu ir assombrar outra pessoa: "Agora não, querido!".


Vivi os últimos cinco anos tomando um medicamento para evitar a tal recidiva, depois de ter operado para tirar de mim aquele tumor, e de ter passado por 22 sessões da radioterapia mais forte. Em breve termina meu tratamento. Ficarei livre do remédio e de todos os efeitos colaterais insuportáveis. Quanto tempo ainda vou viver, não sei dizer. Se vou morrer de câncer ou de morte "morrida", também não sei. Sei que agora estou viva como prometi ao meu filho. Quando contei a ele do meu diagnóstico, ele perguntou: "Mãe, você vai morrer?". Eu disse que todo mundo vai morrer um dia e o que eu podia prometer para ele era que eu ia fazer tudo o que tivesse que fazer para me curar e não morrer daquela doença diagnosticada naquele momento.



Esses dias vi uma moça que dizia que estava com câncer terminal e tinha seis meses de vida, e que, nesse quadro, havia decidido engravidar. Que situação descabida era aquela? Depois ela disse que não era doente terminal. Inclusive, não se usa mais esse termo, ela agora diz fazer tratamento paliativo. E, segundo ela, mesmo sabendo que não há cura, mesmo com recomendação médica para não engravidar, ela tem o sonho de ser mãe e vai segui-lo.


A gente precisa parar de romantizar esse "sonho de ser mãe". Se você está doente e pode morrer a qualquer momento, você não vai ser mãe. Você vai colocar uma criança no mundo para ser órfã de mãe. Ser mãe não é engravidar e parir. Ser mãe é um caminho longo de amor, cuidado e resiliência. Sabendo o que é pensar no meu filho sem mim aos 10 anos de idade, eu fico muito abalada em pensar em alguém querendo entrar nesse papel de “mãe guerreira de internet”, colocando uma criança numa situação tão vulnerável.


Existe um antes e um depois do diagnóstico, como uma rachadura no tempo. No antes a sensação de ser imortal, no depois o saber que a morte um dia vai chegar para tomar um café e bater um longo papo. Eu sei que meu dia vai chegar, mas espero que demore bastante para que eu tenha tempo de ver meu filho adulto e independente, para que eu possa partir sem me preocupar sabendo que ele já sabe se cuidar sozinho.