Sinto muito, Anitters, mas, dessa vez, Anitta cruzou uma linha muito perigosa ao gravar o clipe da música “São Paulo”, primeira faixa do pop star The Weeknd, em parceria com a cantora brasileira. O clipe, gravado em Nova York, foi interpretado como o símbolo do “renascimento” de The Weeknd, que passará a se apresentar com seu nome, Abel. Nas imagens, Anitta aparece com uma barriga de grávida. Teoricamente, estaria gestando o próprio Abel.
O Guinness World Records anunciou, em 2023, que The Weeknd é estatisticamente o músico mais popular do mundo, com quase 119,5 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Gravar uma música com ele é um grande passo na carreira internacional. Sabemos que polêmica é com ela, mas há limites éticos que não deveriam ser ultrapassados.
A batida foi inspirada no funk produzido em São Paulo, e nós sabemos que sempre tocou e ainda toca-se muito funk até nas sofisticadas festas de 15 anos das adolescentes brasileiras. Na tal música, Anitta canta em português os versos de uma música criada em 1997 por Tati Quebra Barraco, uma das pioneiras da vertente carioca do estilo.
A letra:
Bota na boca, bota na cara, bota onde quiser
Bota na boca, bota na cara, bota onde quiser
O novinho me olhou e quis comer minha pepequinha
Hoje eu vou dar pro novinho, f…, f… a larissinha
Falar de sexo já virou lugar comum, mas quando apelida as partes íntimas dessa maneira infantilizada "pepequinha", "larissinha", a gente precisa problematizar. O Disque 100 registrou mais de 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes nos quatro primeiros meses de 2023: 61,3% das vítimas de estupro no Brasil são menores de 13 anos, entre elas bebês, em meio a essa barriga com a boca acaba remetendo à entrega de um bebê para "botar onde quiser".
Além dessa infantilização nas palavras “pepequinha” e “larissinha”, ainda tem outra questão complexa. “Hoje eu vou dar pro novinho.” Quem trabalha com a prevenção ao abuso sexual na infância e adolescência sabe que o termo “novinha” é o mais buscado por brasileiros em site de pornografia, e é código para pedofilia. A palavra “novinha” hoje virou um substantivo que define criança ou adolescente bonita, sexualizada e disponível. Seu uso potencializa a pedofilia e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Novinho é o masculino de novinha, não há como não problematizar.
Recentemente, a própria Anitta disse: "Quando era adolescente, aos 14 anos, perdi minha virgindade sendo abusada por alguém que eu conhecia". Essa fala está no documentário “A Great Day with J Balvin”, em que o cantor colombiano J Balvin conversa com amigos famosos.
Sinto muito, Anitters, mas não dá para normalizar isso num videoclipe. Esse assunto é muito sério e muito preocupante, e quem trabalha pela proteção de crianças e adolescentes não pode passar pano para essa bizarrice. Entendo que polemizar gera engajamento e dá dinheiro, mas existem limites éticos que não devem ser ultrapassados e a apologia ao abuso sexual infantil sem dúvida é um deles.