Nenhum direito a menos
A PEC do estuprador vai obrigar meninas e mulheres que engravidarem após um estupro a levarem a gravidez adiante
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SIGA NOEm 2012, o ex-deputado Eduardo Cunha, apresentou a PEC 164/2012 que inclui a expressão “desde a concepção” no dispositivo da Constituição que trata dos direitos e garantias fundamentais e prevê a “inviolabilidade do direito à vida”. Esta PEC visa alterar o Artigo 5º da Constituição Federal, passando a considerar a vida a partir da concepção (ou seja, desde o momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozoide) e tornando-a “inviolável”.
Atualmente, o aborto é permitido em três casos no Brasil: anencefalia fetal, quando há malformação do cérebro do feto; gravidez que resulta de estupro; e se a gravidez impuser risco de vida para a mãe. A PEC 164/2012 foi aprovada na quarta (27/11) pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.
A PEC do estuprador vai obrigar meninas e mulheres que engravidarem após um estupro a levarem a gravidez adiante. Ou seja, obriga a menina ou a mulher a passar 40 semanas carregando o fruto de uma violência abominável, se lembrando, todos os dias, do estupro sofrido, pensando em um bebê com a cara do homem que a violentou. Digo meninas e mulheres porque, por dia, 26 meninas com menos de 14 anos se tornam mães no Brasil.
Os dados são de um estudo realizado por pesquisadores da UFMG e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Ministério da Saúde. Isso significa que, por dia, 26 meninas que foram estupradas (relação sexual com menores de 14 anos é estupro de vulnerável previsto por lei) têm filhos dos seus estupradores, mesmo tendo o direito de realizarem um aborto. São crianças parindo crianças. São crianças que querem chamar de mães, quando ainda não têm a menor capacidade de sê-lo. Essas meninas já não têm acesso ao aborto legal, por não saberem que têm esse direito e, antes disso, por demorarem muito para descobrirem que estavam grávidas!
Até pouco tempo atrás, caso o estuprador se casasse com a vítima, o estupro praticado deixava de ser considerado crime. Na prática, o estuprador poderia continuar estuprando a agora esposa, com a convivência do Estado. A criminalização do aborto, nesses casos, seria uma punição para a vítima, tal qual era o casamento com seu agressor. Não estamos discutindo a descriminalização do aborto, estamos falando sobre esses três casos específicos. Estamos falando de um direito conquistado que querem subtrair das mulheres. Isso é inadmissível!
Aborto em caso de estupro é permitido por lei desde 1940. Em pleno 2024 querem retroceder! Querem tirar de nós esse direito. Querem que sejamos punidas duplamente. Nenhuma mulher deve ser obrigada a levar a gestação adiante em nenhum desses casos. O aborto, nessas circunstâncias, deve ser um direito, e a escolha deve ser exclusivamente da mulher que estiver gestando uma criança com malformação do cérebro, a que corre risco de vida pela gravidez e a que estiver carregando o fruto de um estupro. Essa deve ser uma escolha individual.
Toda pessoa que já gestou sabe o quão difícil é uma gestação, embora adorem dizer que “gravidez não é doença”. Nós sabemos que não é fácil, mesmo quando é uma gravidez desejada e com muito amor envolvido. Não consigo imaginar o que é gestar o filho de um estuprador nojento. E quando penso em uma menina, uma criança, que sequer sabia que o que estavam fazendo com ela poderia resultar em uma gravidez.
A preocupação não é com a criança que está sendo gerada, se fosse, pensariam em dar melhores condições de vida para suas mães. Se fosse, haveria mais investimentos em educação. Se a preocupação fosse mesmo com as crianças, estariam criando uma lei para criminalizar o abandono paterno!
A preocupação não é com a vida, a preocupação é com a liberdade das mulheres. É muito difícil defender os direitos das mulheres; as próprias mulheres nos atacam quando defendemos esses direitos. Nessa sociedade, nenhuma escolha é certa para a mulher, porque certo mesmo é ser homem.