Em dezembro de 1914, nas proximidades da cidade belga de Ypres, trincheiras paralelas rasgavam e delimitavam um longo corredor batizado “Terra de Ninguém”. Naquele trecho, tropas inglesas e francesas de um lado; alemãs de outro, separadas por não mais de 30 metros, se confrontavam. Combatentes haviam sido arrastados para uma guerra que esperavam fosse rápida. Viviam o luto pela perda diária de amigos tombados em luta. Enfrentavam a degradação das condições das trincheiras. Naquela véspera de 24, soldados alemães embriagados começaram a cantar músicas natalinas. Alguns caminharam com bebidas na mão em direção ao farpado que delimitava a “fronteira” inimiga. O capitão Edward Husle, do Exército Britânico, impediu que seus homens abrissem fogo. Enviou uma missão. A trégua de natal foi acertada. Para desespero do comando da guerra, rapidamente, estendeu-se por vários quilômetros das trincheiras de alemães, franceses e ingleses.
Em tempos de guerras híbridas, como se transformou a política após o advento do tecnofeudalismo, pelas mídias digitais continua a ser inflado um conflito imaginário, que rachou famílias e amigos. Daí nasceu uma gama de políticos amalucados, zumbis cultivados nas entranhas de uma guerra fria imaginária. Sem conteúdo, só fazem gritar nas redes sociais contra tudo e contra todos. Belicosos, especialmente contra mulheres, como seu líder maior, repudiam tudo que escapa ao limitado universo cognitivo. Tais alucinados fazem de tudo por seus inúmeros minutos de fama e disseminação do ódio.
Nesse clima, entramos em mais um Natal. Soam ingênuos os apelos de união nacional do presidente Lula. As redes seguem vomitando toda sorte de ódio e de violência. Para piorar o mundo ensaia novo conflito de proporções às de 1914. Na Ucrânia, a guerra já passa de dois anos e, na Palestina, vai se alastrando com bloqueios navais e massacres de civis em proporções bíblicas. Na África, o cenário não é diferente. Agora recentemente a possibilidade de um conflito se aproximou de nossas terras. Ao norte, Guiana e Venezuela ensaiam uma disputa territorial, sobre o último legado do colonialismo europeu nas terras da América do Sul. No extremo sul, a Argentina de Milei prepara-se para seus tempos de bolsonarismo Hermano. As clivagens internas já fizeram um primeiro ensaio na Plaza de Maio, quando Milei anunciou suas medidas de econômicas neoliberais. Com uma micro minoria nas duas casas legislativas e minoria nas ruas de Buenos Aires, dias não muito promissores se anunciam na pátria do Papa.
A Primeira Guerra Mundial foi anunciada como aquela que acabaria com todas as guerras. Uma Segunda Guerra a sucedeu. Esta também não acabou com as subsequentes. A própria trégua na “terra de ninguém”, foi dissolvida a bala por ordem dos generais, reis, presidentes e imperadores que comandavam aquela primeira. Os cenários interno e externo não trazem bons ventos. Mas o Natal esta aí. Desejar uma feliz trégua de natal não mata ninguém, e se não mata, engorda. Em tempos tão difíceis, passar mais um natal em paz é algo a ser celebrado. Bertrand Russel, pacifista intransigente que lutou com todas as suas forças contra a Primeira Guerra Mundial, disse certa vez: "A estupidez coloca-se na vanguarda para ser vista; a inteligência coloca-se na retaguarda para ver." Talvez seja hora de inverter essa lógica.
'Coragem faz coragem'
Sob o título de “Juntas, para que nunca mais se repita”, a historiadora Heloísa Starling lança, neste Natal, a “Agenda Feminista 2024”, pela Editora Bazar do Tempo. Entre calendários mensais para o registro de compromissos, trata-se de obra literária que recupera com sensibilidade e poesia, o protagonismo de mulheres na resistência contra o golpe militar de 1964 – que completará 60 anos em 31 de março de 2024. A este seguiu-se longo período de ditadura militar-civil (1964-1985). Na agenda, estão assinaladas datas importantes para a luta feminista.
A mulher na história
“Seguimos apostando na recuperação da história que devolva o real protagonismo das mulheres brasileiras”, diz Heloísa Starling, lembrando, como assinalam Hannah Arendt e Diadorim, é preciso coragem para agir e falar, inserir-se no mundo e escrever a própria história. Starling apresenta a agenda feminista recuperando Arendt: “A coragem permite à mulher enxergar mais longe que a ponta de seu próprio nariz”. O que lhe permite conduzir-se no mundo senhora de si.
Apagamento
Foram milhares de mulheres anônimas que sofreram a ditadura civil-militar, regime que adotou a violência e tortura como instrumento político. Foram destacadas as histórias de Elza Soares, apresentada por Zélia Duncan; Cecília Coimbra, por Dulce Pandolfi; Zuzu Angel, por Virgnia Starlilng; Maria dos Santos Soares, por Renata Izaal; Diva Moreira, por Fernanda Miranda; Maria Laura Mouzinho Leite Lopes, por Tatiana Roque; Thereza Santos, por Flávia Rios; Margarida Alves, por Marcela Elian; Eliane Potiguara, por Márcia Kambeba; Cassandra Rios, por Dri Azevedo; Edna Roland, por Ynaê Lopes dos Santos; e Therezinha Zerbini, por Luiza Villaméa.
Dilema
Entre as candidaturas à Prefeitura de Belo Horizonte do campo da esquerda, uma leitura já é consensual: o prefeito Fuad Noman (PSD) trabalha para uma aliança no primeiro turno com outro campo político, que se estende da centro-direita à direita. Se a polarização entre esquerda e extrema direita se reproduzir na capital mineira, o prefeito correrá o risco de ter a candidatura desidratada: não terá o voto da esquerda, nem da extrema direita, pois apoiou Lula nas eleições presidenciais.
Porta da esperança
No vale tudo para ampliar a influência digital, o secretário de estado da Casa Civil, Marcelo Aro (PP) encontrou uma fórmula inusitada de aumentar seguidores. Anuncia pelo Instagram o sorteio entre os seus seguidores, de um final de semana com acompanhante na Pousada Pequena Tiradentes. Para participar, interessados devem curtir o vídeo e marcar três pessoas.