Quebrado o gelo inicial dos 30 primeiros minutos do evento que marcou a primeira visita de Lula (PT) a Minas neste terceiro mandato, o presidente e o governador Romeu Zema (Novo) tiveram bem mais do que 15 minutos, inicialmente solicitados pelo mineiro, de conversa reservada.
E aconteceu publicamente, na mesa principal do evento, onde também se assentaram ministros de estado, o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Assembleia Legislativa, Tadeu Leite (MDB), e o prefeito de BH, Fuad Noman (PSD).
Lula quis delimitar um contraponto em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Demonstrou que, na política, adversários são adversários, não inimigos a serem desumanizados. Os recados vieram embalados nos discursos. Começou por compartilhar com os governadores o conteúdo do plano de investimentos que está anunciando em todos os estados: foi embasado na consulta prévia realizada, dentro da perspectiva de uma “política pública civilizatória”.
E prosseguiu: “Estou conversando com o governador que foi eleito pelo mesmo povo que me elegeu, pela urna que me elegeu. Eu nunca vou pedir para um governador ou prefeito para gostar mais de mim ou gostar menos de mim. Já sou casado com a minha Janjinha. O que quero é que a gente tenha no país uma relação civilizada”.
Na mesma toada, Zema, que sobretudo nos primeiros meses do primeiro ano do segundo mandato abusou das provocações no enfrentamento político com Lula, mudou o tom. Discursou numa linha equilibrada: “Como gestor podemos pensar diferente, o que é normal, mas a boa convivência sem extremismos é que vai fazer a vida dos mineiros melhorar”.
Enquanto o discurso de Lula salientou a conciliação, o diálogo e a relação republicana, a dívida de Minas rendeu debate entre Zema, Rodrigo Pacheco e o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD). Zema defendeu o seu ponto: assinalou que hoje “a única possibilidade legal de renegociação da dívida com a União” seria o plano do Regime de Recuperação Fiscal.
A primeira réplica foi de Rodrigo Pacheco: “O que se apresenta como solução, respaldada pela lei não há dúvida, é solução que não é solução, ou seja, adesão a regime que irá sacrificar servidores, vender ativos e ao invés de pagar a dívida, vai aumentá-la”. E Silveira, mais contundente, questionou: “É importante ressaltar que nos últimos cinco anos, nenhum centavo da dívida foi pago. Uma triste realidade. Ainda bem que vamos encontrar a solução para essa calamidade graças a liderança, sensibilidade humana e política, como a do senhor que é presidente do país”.
Silveira, “batedor oficial”, também engrossou a temporada das críticas veladas a Zema em torno da vacinação, abertas pela ministra da Saúde, Nísia Trindade e pelo ministro da Educação, Camilo Santana.
Ao elogiar o trabalho de vacinação do povo brasileiro de Nísia Trindade, Silveira declarou: “Em especial as nossas crianças, porque democratizar a ciência é preservar a vida. Isso, ministra, é o que evita números alarmantes como esses que vivemos aqui em Minas Gerais, uma verdadeira epidemia de dengue. Bora, gente, vacinar todo mundo. Vacina salva vidas”. Refregas veladas ou explícitas, a política volta ao prumo. A primeira vez, nunca se esquece.
Sala da discórdia
Ao se deparar com a sala VIP organizada pelo Minascentro, o cerimonial da Presidência da República pediu ajuda à Prefeitura de Belo Horizonte. A sala disponibilizada era incompatível com a dignidade do cargo. Os mais ácidos ficaram tentados a registrar a “desfeita”. Mas venceu a turma do deixa-disso. Pela manhã, o caminhão com móveis do município de Belo Horizonte descarregou móveis e equipamentos para receber as autoridades da República.
Constrangimento
Da base aliada de Lula na Câmara dos Deputados, o deputado federal Luiz Fernando (PSD), coordenador da bancada federal, deixou o evento do Minascentro aborrecido com o cerimonial da Presidência da República: foi informado que deputados federais não teriam acesso à sala VIP, onde estariam Lula, Janja, ministros de estado, o governador Romeu Zema e o prefeito Fuad Noman. “Deputados foram chegando e não deixavam entrar. Não tem cabimento barrar quem vota as pautas do governo. Eu me retirei em solidariedade à bancada federal mineira”, afirma Luiz Fernando.
Suspensórios
Lula foi simpático e cortês com Fuad Noman (PSD). Não tratou de política, mas convidou-o a Brasília para uma conversa. Na sequência, o presidente pegou no suspensório de Fuad e disse: “O prefeito mais elegante do Brasil”. A pedido de Lula, Fuad foi deslocado da extremidade da mesa para sentar-se entre Romeu Zema e Lula.
Assinatura
Quem assinou o bufê servido no jantar oferecido por Walfrido e Sheila Mares Guia ao casal Lula e Janja na quarta-feira foi o chef Cantidio Lanna. Foi encontro reservado, para o qual foram convidados os ministros Camilo Santana, da Educação; Rui Costa, da Casa Civil; Márcio Macedo, da secretaria Geral da Presidência; e Paulo Pimenta, da Comunicação; e o segurança Valmir Moraes, conhecido como Moraes, que trabalha com Lula há mais de 20 anos. Janja foi acompanhada pela cantora Tereza Cristina, que estava em Belo Horizonte para o concerto da Orquestra Sinfônica e Coral Lírico de Minas nesta quinta-feira. Foram três horas de conversa amena. No cardápio, ravióli de pera ao vinho, peixe, filé e farofa.
Kalil
A pedido de Lula, Walfrido dos Mares Guia convidou o ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD), único fora do círculo do governo que estaria presente na confraternização. Kalil seria o homenageado do jantar. Walfrido telefonou a Kalil, que em princípio confirmou presença. Mas na véspera, informou que não iria. Não justificou.
O porquê
A interlocutores, contudo, Alexandre Kalil explicou os seus motivos. Está magoado pelo fato de não ter sido procurado após as eleições de 2022. “E é agora, na véspera da eleição municipal, que todos querem conversar?”, indaga Kalil. O ex-prefeito é popular, é influente na capital mineira e tem dúvidas se irá se empenhar nestas eleições.