Sem informar à Assembleia Legislativa, sem avisar à própria bancada governista, sem comunicação a Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Congresso Nacional e sem sinalizar à União, o governo Romeu Zema (Novo) atravessou petição ao ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF). Pediu que fosse retirado de pauta o julgamento do pedido de prorrogação por 180 dias do prazo de carência da dívida de Minas com a União, que apresentará juntamente com o Legislativo estadual. Nunes Marques havia, liminarmente, estendido o prazo por 90 dias. A AGU havia se manifestado sustentando que uma nova prorrogação fosse condicionada ao pagamento pelo estado de “mais do que vem efetivamente pagando à União”.
Em sua intempestiva petição ao ministro, o governo de Minas concordou com o início da quitação de alguma parcela da dívida a partir de julho deste ano, reiterando o pedido de prazo de 180 dias para a continuidade das negociações com a União. Não aguardou o julgamento do STF. Desconsiderou atores que iniciaram na Assembleia um movimento político para a repactuação das dívidas dos estados com a União, com grande probabilidade de resolver o problema mineiro. Um movimento que ganhou o país e já apresentava conquistas. De um lado, o plano de adesão ao RRF do governo Zema enviado à Assembleia, em 10 anos, legaria a Minas uma dívida de R$ 210 bilhões, depois de privatizar estatais e impor o arrocho ao funcionalismo e sucateamento do serviço público.
Por outro lado, pela proposta do governo federal, ainda sem alterações que serão feitas no Congresso Nacional, no mesmo período, sem sucateamento dos serviços, a dívida de Minas seria de cerca de R$ 89 bilhões. O projeto substitutivo que vem sendo elaborado por técnicos do Senado Federal, a partir de estudos também de técnicos da Assembleia, inclui dispositivos como a federalização de ativos, abatimento proporcional à amortização, manutenção do indexador IPCA com a redução de juros, hoje de 4% para até 1%, no caso de amortização de mais de 50% do principal. Se aprovada tal proposta, em dez anos, a dívida de Minas estaria equacionada.
Mas Zema fez algumas apostas ao atropelar os esforços de todas as instituições que se envolveram na discussão. Em primeiro lugar, fez o movimento no momento em que começaram a tramitar no Legislativo estadual projetos de reajuste do funcionalismo. Em segundo lugar, em sua manifestação ao STF, tentou se livrar de quitar as parcelas (não cheias) da dívida a partir de 31 de maio, como quer a AGU, comprometendo-se a pagar a partir de julho. Em terceiro lugar, entendeu que com essa manifestação, estaria, na prática, homologando judicialmente a sua adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), nos termos em que sempre quis, mas não conseguiu aprovar na Assembleia, nos quais se incluem as privatizações da Cemig, Codemig e Copasa. Em quarto lugar: tentou ganhar algum protagonismo na repactuação da dívida, que lhe foi subtraído por sua inabilidade em fazer política, principalmente Rodrigo Pacheco (PSD. Para não mencionar, além disso, o incômodo que lhe causava a boa vontade do presidente Lula (PT) e do ministro Fernando Haddad para com o estado. Em quinto lugar, mas não menos importante, a adesão ao RRF, no tempo que lhe resta de governo, lhe permitiria pagar as contas do estado; a partir do terceiro ano a gestão ficará inviável. Mas aí será problema do sucessor.
Com toda essa marola, Zema ganha a narrativa: tentou aderir ao RRF; fez um movimento para pagar a dívida, mesmo que tardio. E ainda que se saiba que, na prática, hoje os resultados de seu governo não reúnem os requisitos para a adesão do estado ao RRF, aposta que até a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ser chamada a se manifestar, poderá judicializar os resultados, e com alguma sorte, longe da federalização, poderá encerrar o seu governo entregando as estatais mineiras à iniciativa privada.
Articulação
Pegos de surpresa com a petição do governo Romeu Zema (Novo) ao Supremo Tribunal Federal (STF), foi intensa a articulação política de atores envolvidos no processo de repactuação da dívida mineira com a União para que a Advocacia-Geral da União (AGU) fosse chamada a se manifestar. Ao fazê-lo, pediu a manutenção do julgamento.
Má-fé
Em nova petição encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira à noite, o governo Romeu Zema disse que o governo federal esbarra em má-fé, quando alega que seu governo ficou inerte nos últimos meses em relação a uma solução para resolver o problema da dívida. Zema pede uma negociação federativa mediada pela Corte.
Plano Brady
Onofre Alves Batista Júnior, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-Advogado Geral do Estado, critica a falta de iniciativa do governo Romeu Zema em discutir judicialmente o principal da dívida. “São Paulo questionou junto ao STF e conseguiu redução considerável, quando questionou, no caso da Vasp, a aplicação do desconto obtido pela União com o Plano Brady. Minas nem procurou averiguar se tem direito”, afirma.
Crédito
Onofre, que foi o responsável por suspender em 2018 o pagamento das parcelas da dívida de Minas com a União, também questionou as perdas mineiras com a Lei Kandir, que foram pifiamente negociadas: de um crédito estimado em R$ 130 bilhões, aceitou compensação por menos de R$ 10 bilhões. E por fim, ainda mencionou a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), criada pela União por Medida Provisória em 1988. “A CSLL tem alíquota de 8%, não é compartilhada pela União com os estados. Em contrapartida, reduziu o IR em 5%, ou seja, trocou o IR pela CSLL, pois o primeiro é compartilhado e o segundo não”, diz, considerando que se questionado, os estados têm a receber da União.
Toma bomba
O deputado estadual professor Cleiton (PV) assinala que o estado de Minas Gerais não reúne os critérios para a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Ele enumera aspectos que, sustenta, ferem a legislação pertinente: 1) o estado concedeu isenções fiscais que só em 2024, chegam a R$ 18 bilhões; 2) descumpriu normas de adesão para a dívida de curto prazo (restos a pagar); 3) concedeu reajustes de cerca de 300% ao primeiro escalão, sem apresentar as medidas compensatórias e o relatório do efeito cascata; 4) não demonstrou como ficarão as despesas obrigatórias, como por exemplo o piso do magistério; 5) o RRF não foi aprovado pelo Legislativo estadual.“A autorização do STF para a adesão é uma coisa. O cumprimento dos requisitos, é outra. Até porque, atualmente, juridicamente, Minas já está sob o RRF”, afirma o professor Cleiton.
Crime de racismo
De autoria do vereador Wagner Ferreira (PDT), foi aprovado, em segundo turno, o Projeto de Lei 795, que proíbe que condenados por crimes de racismo assumam cargos públicos. Depois de aprovada em redação final, a matéria irá à sanção.