Entre as várias estratagemas para forçar uma menina de 10 anos a seguir com a gravidez, depois de sistematicamente estuprada pelo tio desde os seis anos, foi considerada a transferência dela para um hospital no interior de São Paulo, que a manteria sob vigília.

 

A criança e avó, que a criava, ambas do Espírito Santo, desejavam o procedimento. A barriga foi “descoberta” por volta da 20ª semana. Como o hospital capixaba se recusava a fazer o aborto legal, a criança foi levada ao Recife, pela intervenção do Ministério Público.

 



 

Lá, o procedimento foi realizado pelo obstetra e diretor do Centro de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), Olímpio Barbosa de Moraes Filho, professor-adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco.

 

 


O caso foi em 2020 e ganhou repercussão nacional também pelo envolvimento da hoje senadora Damares Alves (Republicanos-DF), na ocasião ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que encabeçou a campanha para obrigar a criança a levar adiante a gravidez – que, inclusive, colocava em risco a vida dela.

 

Fanáticos cercaram a maternidade, expuseram a identidade da menor nas redes, insultaram o médico, levaram grande perturbação à unidade de saúde. “É assustador”, resume Olímpio de Moraes Filho que relembra o caso.

 

 


A criança capixaba, violentada múltiplas vezes pela sociedade, é o espelho da realidade brasileira e dos efeitos da naturalização das narrativas misóginas e de violência contra a mulher.

 

Segundo o mais recente anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2023, em 2022 foram 74.930 mil casos de estupro, oito a cada minuto, 75,8% deles cometidos contra menores de 14 anos, recorde anual da história nacional.

 

E apesar das campanhas de fundamentalistas religiosos, que não manifestam preocupação com a vida das pessoas já nascidas, quase dois terços das brasileiras e brasileiros não apoiam o endurecimento da legislação sobre o aborto (Datafolha, março 2024).

 

 

É de indagar, assim, de onde vem tanta confiança para a propositura de matéria como Projeto de Lei 1904/24, sob regime de urgência, que equipara ao homicídio o aborto legal depois de 22 semanas de gestação, com pena imposta à vítima superior à do estuprador.

 


O aborto é mais uma temática da guerra cultural de fundamentalistas da extrema direita, convenientemente atiçada em ano eleitoral. Destina-se, neste momento, a alavancar os votos das igrejas para tomar os assentos das câmaras municipais.

 

Parlamentares de centro tendem a se calar em relação ao tema “espinhoso”, o que deixa em evidência na cena política o embate entre a extrema direita e a esquerda, que tem posição conhecida em defesa do aborto legal e do direito da mulher em decidir.

 

 


A temática do aborto é mais uma na lista. O projeto final da guerra em curso, que tem o apoio da tecnopolítica, foi verbalizado por Michelle Bolsonaro: a religião se impor definitivamente sobre a política. Pretende-se uma ordem teonomista: o cristianismo bíblico submeteria todas as áreas da sociedade à moral do Antigo Testamento. Sai de campo a Constituição; entra o Antigo Testamento.

 


Quem não compreende o que isso significa mire os países fundamentalistas religiosos: são totalitários; optar por ser ateu pode custar a vida; assim como escolhas pessoais não heterossexuais, minorias religiosas ou não também são duramente castigadas, quando não exterminadas.

 

Sob a lógica patriarcal absoluta, mulheres não têm direito de ir e vir sem a presença ou autorização de um homem; não têm direito ao exercício do poder familiar; se submetem à violência doméstica masculina...Pessoas moderadas, de bom senso, poderão optar por se omitir, acreditando pegar carona na luta de outras contra as pautas do fundamentalismo religioso.

 

Mas pessoas moderadas também podem optar por se posicionar agora contra tal destino, que essa perspectiva de país reservará para si, para as suas mães e as suas filhas. Os defensores dos estupradores, que criminalizam as vítimas, estão à solta e avançam. Em nome de quem?


Recordista de interações

 

Com mais de 3 milhões de visualizações e 996.565 votos em pouco mais de três dias, o Projeto de Lei 1904/24, que equipara ao homicídio o aborto de gestação acima de 22 semanas, mesmo em casos de estupro e de risco à vida da mãe, já é o recordista em interações em 2024 na Câmara dos Deputados.

 

Desde janeiro são monitoradas 109 mil propostas nos canais da Câmara, que juntas tiveram 30 milhões de visualizações. Até as 16h deste sábado, 881.504 (88%) manifestaram a discordância total com o PL 1904/24; 107.238 (12%) votaram em concordância total com o projeto.


Desastres

 

Em tramitação na Assembleia Legislativa, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do governo de Minas para o exercício de 2025 – PL 2.366/24 – deve conter planejamento financeiro para riscos de natureza ambiental.

 

A recomendação é do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e consta do Relatório de Acompanhamento do Projeto de LDO, segundo o qual devem ser indicadas que providências serão adotadas na hipótese de o estado sofrer um desastre de grande magnitude, como rompimentos das barragens de Brumadinho e de Mariana.

 

Sinal de alerta

 

O relatório do TCE, já encaminhado ao governador Romeu Zema e à Assembleia Legislativa, enumerou 19 recomendações. Um dos sinais de alerta apontados diz respeito à expectativa de homologação do Plano do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do estado.

 

Segundo o relatório, as projeções de renúncias fiscais deveriam estar em queda de, no mínimo, 20% nos três anos de vigência do Regime, mas, pelo contrário, “tiveram aumento percentualmente mais expressivo”. Segundo relatório do Sinfazfisco-MG, em 2024, as renúncias de ICMS e IPVA somam R$ 18 bilhões e, em 2025, R$ 19 bilhões. Entre 2018 e 2028 as renúncias fiscais previstas são da ordem de R$ 151,89 bilhões.

 

Câmeras corporais

 

Depois de uma tentativa não exitosa em 2023, o promotor de Justiça Francisco Ângelo Silva Assis, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e de Apoio Comunitário (CAODH) iniciará este ano um novo estudo semiexperimental para emprego de câmeras corporais em dois grupos de policiais militares.

 

O objetivo do projeto-piloto, idealizado pelo Ministério Público, segue o de avaliar o impacto do uso de câmeras corporais sobre o emprego da força policial e mortes em confronto policial. O equipamento também constitui importante aliado da atividade policial na produção de provas.

 

Batalhões

 

São 1.550 câmeras corporais que serão utilizadas em dois batalhões e as estatísticas serão comparadas com dois grupos de controle, sem o equipamento, para que se avaliar o impacto da iniciativa. “Este ano, faremos o controle dos dados brutos, das ocorrências coletadas junto aos comandantes do batalhão”, afirma Francisco Ângelo Silva Assis.

 

Em 2023, houve a distribuição dos equipamentos, mas as câmeras foram empregadas sem mensuração do padrão de uso e implementação, sendo usadas para diligências e trânsitos, sem mensuração dos ganhos.

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