O Brasil é o país das bets. Por que será? Diferentemente do desempenho eleitoral do presidente Lula (PT), as candidaturas do chamado campo progressista têm apresentado, até este momento, dificuldade nas capitais brasileiras de penetração no eleitorado mais pobre. Sem a mesma agilidade para incorporar em sua estratégia comunicacional as novas tecnologias ditadas pelo mundo das big techs; prisioneira do identitarismo para mobilização de nichos; sem diálogo para se contrapor à demonização promovida por certas igrejas aos valores de diversidade; estão aí algumas explicações para o desempenho pífio. Maior envolvimento de Lula poderá reverter parcialmente essa tendência. Mas uma coisa é conseguir votos para si, avocando a memória afetiva de ações em governos passados; a outra é transferir votos.

 

Nas duas primeiras décadas que se seguiram à primeira eleição presidencial da redemocratização, representantes eleitos manifestavam certa aversão à autodenominação ideológica de “direita”. Àquela época, “ser de direita” vinculava-se à extinta “Arena”, sustentáculo do regime militar; associava-se também ao desastre econômico e à hiperinflação que se seguiram aos anos do “milagre”; às práticas de tortura, sequestro e execução da oposição por agentes de Estado. Naquele momento, nem se cogitava fundar um partido de extrema direita.

 



 


É um tempo distante. Há um novo mundo em que a riqueza não mais se conecta ao setor produtivo, onde o centro do poder político da informação foi deslocado das mídias tradicionais para as mídias digitais. Alguns partidos se reposicionaram ao ritmo do novo contexto. O Partido Liberal (PL) – que em 2002 foi a sigla do ex-vice-presidente de Lula, José Alencar Gomes da Silva na chapa “capital-trabalho”, se converteu a partir do ingresso do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021.

 

 


Ao novo PL convergiram muitos daqueles que tinham na religião a sua principal tração política; atores vinculados às forças de segurança, onde já prevalece o culto; além de alguns que se proclamam ultraliberais na economia. A máxima para a autodefinição do grupo – “liberal na economia, mas conservador em valores”, ressignificava o adjetivo “conservador”.

 

 


Neste novo mundo, a fome e a miséria crescem, mas expressiva parte das pessoas mais pobres consideram natural pagar dízimo a milionários, crentes que em retorno terão prosperidade. Prevalece a apologia à “meritocracia”: o valor do individualismo extremo sobre a ação coletiva. A religião se sobrepõe aos avanços científicos e aos fundamentos do Estado laico. A cultura da submissão da mulher é revigorada. A hierarquia social e privilégios de um país patrimonial se reafirma sobre o sonho da mobilidade social. A lista é longa. Em cada contexto do planeta, diferentes eixos de narrativas emergem, impulsionados na centralidade do controle dos fluxos informacionais pelas big techs.

 


Ao mesmo tempo, a accountability política segue ganhando concretude pelo avanço das IAs: as megaplataformas agora dão a sua própria versão sobre a atribuição de responsabilidades aos fatos da política, o que tem efeito sobre o processo de formação das opiniões. Pergunte, por exemplo, ao Grok, modelo de inteligência artificial da companhia xAI (leia-se Elon Musk), por que o X fechou os escritórios no Brasil. A resposta é um caso clássico de “a bola é minha e vou embora”. Mas embora o X tenha retirado o escritório, a empresa continua a operar. Nossa leis continuarão soberanas? De volta ao plano eleitoral e parlamentar, certos grupos seguem em seu propósito de propagação da nova cultura, que justificaria a destruição do Estado e das instituições democráticas. O que mais esperar depois de outubro? Na terra das bets, o futuro se parece demais com o passado. Alguns só vivem se ganhar.

 

NOTAS


Entrará na pauta?

 

O colégio de líderes da Câmara dos Deputados discutirá nesta terça-feira se incluirá em pauta nesta semana o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). Com as campanhas eleitorais em curso, se a matéria não for votada nos próximos dias, só em 9, 10 e 11 de setembro, quando está previsto novo esforço concentrado.


Pagamentos


Julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) neste 28 de agosto definirá se o estado de Minas Gerais terá nova suspensão do pagamento das parcelas da dívida com a União ou se deverá retomar o pagamento imediatamente, interrompido desde 2018. Temeroso de ser obrigado a retomar o pagamento das parcelas cheias, o governo de Minas pede ao STF que homologue provisoriamente a sua adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), sem aprovação da Assembleia. Em contrapartida, acena com a retomada dos pagamentos previstos no RRF a partir de 1º de outubro: cerca de R$ 165 milhões (o correspondente a 1/12 de 11% da parcela cheia, de R$ 18 bilhões ao ano).


Aposta

 

A Assembleia de Minas considera que o RRF resolverá o problema imediato do governo Zema, mas, no médio prazo, será danoso ao estado: depois da venda de ativos e o sacrifício dos servidores e serviços públicos, a dívida seguirá em escalada. Alternativamente, deputados estaduais apostam na aprovação do Propag pela Câmara dos Deputados para adesão de Minas mediante a federalização de ativos, abatimento da dívida e redução dos juros. Nesse sentido, só votará em segundo turno a autorização para a adesão ao RRF se o estado for instado pelo STF a retomar imediatamente o pagamento da parcela cheia.

 

Curta duração

 

Três suplentes de deputados exerceram mandato de curta duração, antes de os seus respectivos partidos registrarem as candidaturas junto à Justiça Eleitoral: Délio Gonçalves (PDT), concorrerá em Montes Claros; Duarte Gonçalves (Republicanos), disputará em Ouro Preto; e Ulisses Guimarães (MDB), é candidato em Poços de Caldas.


Bancada da bala

 

Em claro embate com o governo Lula na temática do desarmamento, o projeto de decreto legislativo (PDL) que susta pontos do decreto antiarmas editado pelo presidente será votado nesta terça-feira no Senado Federal. Em tramitação de urgência já aprovada, a matéria passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que manteve o texto aprovado pela Câmara dos Deputados em maio. As entidades especializadas em segurança pública apontam para os riscos de afrouxamento para o acesso de armas e munição no país: o PDL permite que sejam colecionadas armas automáticas de qualquer calibre ou ainda longas semiautomáticas de calibre de uso restrito, assim como armamentos do mesmo tipo, calibre, marca e modelo usados pelas Forças Armadas. Além disso, o texto retira da lista de restrição armas de pressão com calibre acima de seis milímetros.


Sem perdão

 

O advogado e ex-juiz Márlon Reis, articulador da Lei da Ficha Limpa, irá ingressar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) com ação para declarar a inconstitucionalidade do perdão às multas dos partidos. A chamada PEC da Anistia resultou de acordo entre todos os grandes partidos, do PT ao PL, para perdoar as multas impostas pela Justiça Eleitoral aos partidos que descumpriram as cotas orçamentárias de gênero e raça no pleito de 2022.

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