Se a representação política feminina é muito baixa nos legislativos e em cargos executivos do país, a de mulheres negras é ainda menor. Sobre essas, são múltiplas as camadas de opressão que caminham ao lado do gênero, mas também da raça. Mulheres negras estão mais sujeitas à violência doméstica; representam apenas 5% da magistratura nacional; são 6% da Câmara dos Deputados; há apenas uma senadora autodeclarada negra; ocupam 3% dos cargos de liderança no mundo corporativo, ao mesmo tempo em que 65% das empregadas domésticas no Brasil são negras.

 


Na massa salarial, são as últimas da fila com os menores salários. E como se não bastasse, estão sobrecarregadas em jornadas duplas e por vezes triplas, assumindo o cuidado doméstico: a maior parte das famílias monoparentais no Brasil são de mulheres negras. Na celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, a ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edilene Lobo, chama a atenção para as diversas camadas de opressão sobre a mulher negra no Brasil.

 




Em entrevista exclusiva a esta coluna, a magistrada afirma: “Nestas eleições de 2024, 4,5% das cidades do país elegeram mulheres negras e 7,5% das cadeiras legislativas foram conquistadas por mulheres negras. É um pouquinho a mais do que em 2020, mas é preciso avançar porque as mulheres negras correspondem a 28% da população brasileira”. Edilene foi a primeira magistrada negra nomeada da história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Vera Lúcia Santana Araújo, também ministra substituta, foi a segunda a ser nomeada.

 


Ao lado de Jorge Messias e Clara Mota, Edilene Lobo é organizadora do livro “Análise social do direito: por uma hermenêutica de inclusão” (Editora D’ Plácido), que será lançado no próximo dia 28, em Brasília. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz a apresentação do livro, que apresenta uma coletânea de artigos de 28 autores, entre os quais os ministros do STF Edson Fachin e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

 


Qual é o grande desafio da questão racial que se evidencia a partir do resultado das eleições?

Considerando o resultado das eleições, o que observamos é a necessidade de eleger mais mulheres negras no Brasil. Em 2020 elegeram-se mulheres para comandar 12% das prefeituras do Brasil, das quais 4% negras. Nas Câmaras Municipais, 16% de mulheres pelo Brasil, com 6% de negras no total das cadeiras. Em 2024 o resultado melhorou, com cerca de 4,5% de prefeitas negras e 7,5% de vereadoras negras. Mas é preciso avançar porque as mulheres negras correspondem a 28% da população brasileira. Observando a legislação, é muito importante que se estabeleça proporcionalidade na distribuição do dinheiro para as campanhas do Brasil, para respeitar a equidade de gênero e de raça. Pois hoje vigora a distribuição de 30% do recurso para pessoas negras sem a cotização de gênero. É, quando se trata do dinheiro para as mulheres, não há fixação da cotização para as mulheres negras. Por isso, importante ter garantida a cota parte para as mulheres negras. Os números melhoraram de 2020 para 2024, como visto, mas o avanço é lento. Possivelmente a distribuição do dinheiro das campanhas impacta esses números porque as campanhas precisam de investimento financeiro. E para que impacte mais, é preciso ter reservado mais dinheiro público para as mulheres negras.

 


A redução da jornada de trabalho é pauta que está mobilizando parte da sociedade neste momento. É sabido que as mulheres, em geral, acumulam duplas e às vezes até jornadas triplas. Como é a situação da mulher negra no mercado de trabalho?

O debate sobre a modificação da jornada 6 por 1 tem esquentado, com reações de todos os níveis. Há aderência grande, principalmente das pessoas mais jovens, e o assunto chega em momento importante, pois de fato, em se tratando de mulheres negras, acrescenta-se sempre mais uma camada de jornada, considerando qualquer outro grupo social. Quando olhamos os números da massa trabalhadora brasileira, as mulheres negras ocupam os piores empregos, com os menores salários, em condições mais desfavoráveis. Observamos a mulher negra mãe solo na maioria dos lares brasileiros. Como se sabe, a maioria das famílias monoparentais é de mulheres negras. Então há uma sobrecarga de jornada de trabalho, aprofundando ainda mais a desigualdade social quando focamos na mulher negra. Em geral, quando falamos do cuidado, outra pauta importante, com a aprovação da Política Nacional do Cuidado na Câmara dos Deputados, a mulher negra cuida de sua família, cuida da família dos outros, visto que 65% das empregadas domésticas no Brasil são negras, mas não sobra tempo para cuidar de si.

 


Foi aprovado projeto de lei na Câmara dos Deputados, já enviado ao Senado, que trata da Política Nacional de Cuidados, o cuidado entendido como direito e dever das pessoas além da necessidade de se distribuir adequadamente a tarefa de cuidar das pessoas das famílias. O que esse projeto diz em particular para a mulher negra?

Embora ele não se dirija à mulher negra, enfoca o recorte de raça na política nacional de cuidados. O cuidado ficou institucionalizado na sociedade machista como tarefa da mulher e pressiona mais as mulheres negras. Então tratar da política de cuidados é falar de direitos de ser cuidado e o direito ao autocuidado. Em geral como os corpos negros não são reconhecidos, valorizados ou bem tratados, sequer é cogitado o autocuidado da mulher negra. Então essa política nacional de cuidado traz recorte de raça, o que é mais um degrau no processo de dar visibilidade do tema e a oportunidade de debater a condição da mulher negra na sociedade. Eu diria que precisamos falar de consciência negra para além de novembro!

 

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