Sem transparência e sem rastreabilidade de emendas parlamentares que abocanham a cada novo exercício fiscal quinhões cada vez mais robustos do Orçamento da União, sobrou para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino retomar o enfrentamento com o Poder Legislativo. Em atendimento à representação do Psol, o ministro determinou nova suspensão do pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares de comissão e, a reboque, mandou instaurar inquérito pela Polícia Federal para apurar a liberação dos valores, a partir de ofício assinado pelos 17 líderes partidários da Câmara dos Deputados e encaminhado ao governo federal com a indicação das 5.449 emendas de comissão.
A manobra feita na Câmara descumpriu determinações do STF que havia definido que as verbas – que floresceram no governo Bolsonaro sob a alcunha de “Orçamento secreto” – só poderiam ser liberadas caso houvesse transparência e rastreabilidade, o que inclui a identificação dos congressistas que sugeriram a destinação do dinheiro. Em vez disso, líderes partidários “apadrinharam” em ofício as indicações dos colegas às emendas de comissão.
Argumentaram que atenderam às novas regras para a destinação de emendas em projeto aprovado no Congresso, que atenderia às determinações do STF. Mas, em verdade, contornaram a exigência por transparência. Para 2025, o Congresso Nacional terá entre emendas parlamentares e de bancadas impositivas e as emendas de comissão R$ 50,5 bilhões para barganhar apoio político com recursos públicos.
As emendas impositivas alteraram o relacionamento não apenas entre legisladores e poderes executivos, em todos os níveis – federal, estaduais e municipais. Elas também mudaram a forma como prefeitos se relacionam com os deputados. “Cidades de 3 mil eleitores já não aceitam indicação de emenda de R$ 500 mil. Reclamam. Todo prefeito acha que tem direito a emenda de R$ 1 milhão, R$ 2 milhões”, conta um deputado federal da bancada mineira.
“Insatisfeitos com emendas de baixo valor, os prefeitos avisam, em tom de ameaça, que o fulano já deu mais; o sicrano também. Virou troço de maluco”, prossegue o parlamentar. E se prefeitos compensam os caixas apertados, também as instituições preparam kits com opções de destinação de emendas para levar aos deputados. Com portfólios à mão, hospitais, polícias militares, polícias civis, corpos de bombeiros, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) estão à porta dos parlamentares atrás de recursos, outrora planejados no âmbito do Poder Executivo.
Enfraquecido, o Executivo banca o mediador do embate entre Poder Judiciário e Legislativo em torno deste instituto de emendas impositivas e agora também de comissões, que decretou à exaustão a morte do presidencialismo de coalizão no Brasil. Vai ser preciso um grande escândalo nacional – ao estilo dos “anões do Orçamento” – para brecar a “Eureka” da reeleição e da nova independência de parlamentares, agora em condições de negociar mais alto a “governabilidade”.
Pode ser que Dino tenha intuído isso; ou pode ser que esteja agindo “a pedido” do Executivo, sem condições de fazer o enfrentamento. Por que tanto mistério em torno das emendas parlamentares, eis a pergunta que exige resposta. No universo, onde há fumaça, há fogo. No parlamento, onde há mistério...
Solaris
Desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), o robô Solaris fiscalizou, em dois anos de atuação, o montante de R$ 3,2 bilhões, por meio da análise de editais de licitação. Ao avaliar riscos de irregularidades e direcionamento ou compras de bens de luxo, o robô emite um ofício com as inconsistências sempre que identifica possível não conformidade. Auditores da Central de Inteligência Suricato, do TCEMG, fazem a análise dos editais em que houve alerta.
Potencial
O robô Solaris tem potencial para fiscalizar todos os procedimentos licitatórios lançados pelos órgãos públicos mineiros. Como ele atua durante o processo, permite que o município faça as correções das irregularidades antes da abertura da licitação. Em 2023, 98% dos comunicados emitidos pelo TCE foram acatados pelos gestores públicos, com tempo médio de resposta de apenas três dias. Ao todo, 230 cidades corrigiram as irregularidades nos editais, após o comunicado. Para 2024, os auditores do TCE incluíram nas trilhas de fiscalização do Solaris, ainda, detecção de licitações presenciais sem motivação, baseada na Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei n. 14.133/21), e certames que tenham menção a legislações já revogadas, como editais com previsão da Lei 8.666/93.
Violência de gênero
Noventa e três por cento das 341 mulheres que ocupam cargos de secretariado nos estados e nas capitais brasileiras já sofreram violência psicológica no exercício de suas funções. Os dados são da pesquisa inédita conduzida pelos Institutos Alziras, Aleias, Foz e Travessia Políticas Públicas. Diversas secretárias que participaram do levantamento só perceberam que sofriam violências cotidianas quando confrontadas com situações reais de rotina. Em outros casos, elas relataram situações de violência sem perceber que se tratava de violência.
Em números
Os dados do censo indicam que 43% das secretárias sofreram violência de gênero e 33% enfrentaram violência sexual no cargo. Nos casos de assédio, as profissionais relataram que foram alvos de comentários de cunho sexual e gestos obscenos. Ao gênero, acresce-se a violência racial: enquanto 22% das secretárias brancas sofreram agressões físicas durante reuniões ou debates, a estatística sobe para 33% em se tratando de mulheres negras.