Bertha Maakaroun
Bertha Maakaroun
Jornalista, pesquisadora e doutora em Ciência Política
EM MINAS

A "salvação" vem da política

Cientista político considera que o julgamento de militares envolvidos na tentativa de golpe já apresenta impacto sobre o comportamento dos militares

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Da tradição no Brasil de recorrer ao instituto da anistia para envolvidos em tentativas de golpes e a períodos de rupturas institucionais – como o golpe de 1964 –, floresce o sentimento da impunidade. Ela está na raiz de novas tentativas: se punição não haverá, não há custos envolvidos em tentar romper a ordem democrática. Mas, pela primeira vez na história, as instituições brasileiras registram um ponto de inflexão: sejam civis ou militares, estão sendo julgados envolvidos na tentativa de golpe que culminou com os ataques de 8 de Janeiro de 2023.


E face à iminência de que condenações guilhotinem “cabeças” da conspiração golpista, delas parte a orquestração para a aprovação do projeto de lei da anistia no Congresso Nacional. Para além da base governista, a matéria esbarra na resistência do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), além de boa parte do Centrão, convencidos de que a pauta não seja prioridade do país: segundo as mais recentes pesquisas, 56% são contrários à anistia, o que interessa apenas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), demais denunciados e aqueles já condenados pela tentativa de golpe.


Uma eventual anistia não fará bem à democracia brasileira. “Tudo isso está acontecendo em razão de enorme impunidade, de tantas anistias ao longo da história dadas aos envolvidos em tentativas de golpes e rupturas institucionais. É o que ocorre quando não se acerta as contas com a história”, afirma Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco, cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).


“É momento de mudança de paradigma, algo novo no Brasil, que mostra a força das instituições democráticas”, afirma o cientista político. Ele lembra que, na hipótese remota de que tal anistia prevaleça, o país retomaria a antiga régua da impunidade, uma das raízes de todo esse processo de tentativa de golpe.


Na avaliação de Pedro Hermílio, entre os depoimentos mais importantes da denúncia contra os cabeças da trama em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), está o do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, que, provocado por Bolsonaro, alertou-o de que não se envolveria em eventual golpe de Estado.


“Freire Gomes revelou, entre outras coisas, que, em uma reunião no Palácio da Alvorada com Bolsonaro, os comandantes da Aeronáutica e da Marinha e o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, o assessor da Presidência Filipe Martins teria lido os fundamentos jurídicos de uma minuta que embasaria a ruptura democrática”, afirma o cientista. Esse depoimento corrobora o que o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior, que também se posicionou contrariamente ao golpe, declarou à investigação.


O cientista político considera que o julgamento de militares envolvidos na tentativa de golpe já apresenta impacto sobre o comportamento dos integrantes das Forças Armadas. “É um recado muito importante aos membros da corporação: reconhecimento de que o controle sobre as Forças Armadas é exercido por autoridade civil e que, nesse sentido, elas devem voltar a ser o ‘Grande Mudo’, ou seja, aquele que não pode falar”, considera Pedro Hermílio. Ele lembra que, durante o governo Bolsonaro, as corporações foram estimuladas ao ativismo político e a agir fora de seu papel institucional.


“No Brasil, isso é particularmente grave, pois assistimos à escalada de criminalização da política, em que muitos civis nutrem uma perspectiva idealizada das Forças Armadas, como se fossem ‘forças salvacionistas’. É o momento em que, por criminalizar a política e associá-la sobretudo à corrupção, os civis passam a chamar outsiders: militares, juízes, pastores, com a ilusão de que todos integrariam uma corporação incorruptível, superior à elite política. Aí está o ledo engano”, sustenta o cientista. E é o momento em que as instituições democráticas são atacadas em múltiplas dimensões. Da guerra híbrida, cultural, a ações concretas que corroem internamente os processos democráticos.

Impunidade

Só ao longo do século 20, foram concedidas pelo menos dez anistias a insurreições, tentativas de golpes e rupturas institucionais. As principais: Revolta da Vacina (1904), Revolta da Chibata (em 1910, aos insurgentes da Marinha contra os castigos físicos, baixos salários e condições de trabalho), Revolução de 1930, Revolução Constitucionalista de 1932, Estado Novo (foram anistiados os acusados de crimes contra o poder público e em manifestações políticas entre 1937 e 1945), governo de Juscelino Kubitschek (concedeu ampla anistia aos envolvidos em tentativas de golpe em 1955 e 1956), golpe militar de 1964 (a Lei 6.683/1979 concedeu anistia para crimes políticos e conexos como torturas e execuções entre 2/9/1961 e 15/8/1979; exilados foram anistiados, já presos por “práticas terroristas”, assaltos ou sequestros não foram). As informações são da obra “Amnesty in Brazil: Recompense after Repression, 1895-2010”, de Ann M. Schneider, que reúne mais de 50 concessões reconhecidas durante a República, incluindo leis federais e estaduais.


Morde e assopra

Depois de integrar, ao lado de outros seis governadores de oposição, o palanque de Jair Bolsonaro no último domingo (6/4), o governador Romeu Zema (Novo) convidou o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, para receber o Grande Colar da Inconfidência, em 21 de abril, em Ouro Preto. Hugo Motta (Republicanos-PB) é o responsável por pautar a proposta da anistia, mas resiste à pressão de bolsonaristas, considerando não ser o tema prioridade da Casa. Motta foi duramente atacado pelo pastor Silas Malafaia durante o ato bolsonarista na Avenida Paulista, ao qual Zema se juntou. Os prédios do Congresso Nacional foram ferozmente depredados pelos recrutados para os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Propag

Acompanhado pelo secretário de Estado da Casa Civil, Marcelo Aro (PP), o governador Romeu Zema (Novo) quer manter boas relações. Não satisfeito pela aprovação do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), que beneficia Minas Gerais e foi articulado por Tadeu Martins Leite (MDB) e Rodrigo Pacheco (PSD), com o apoio do presidente Lula (PT), Zema está interessado na articulação para derrubar vetos ao projeto já sancionado. Os vetos são tecnicamente considerados corretos porque têm impacto no resultado primário do governo federal, que Zema tanto critica.


Cidadã honorária

Por requerimento da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, a Assembleia entregará nesta quinta-feira (10/4) o título de cidadã honorária do estado à deputada estadual Lohanna (PV). A parlamentar é líder da bancada feminina.

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Cenas íntimas

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que estabelece penalidades para indivíduos que ameaçam divulgar imagens íntimas ou criam registros, incluindo o uso de inteligência artificial, de pessoas em cenas de nudez ou atos sexuais. O texto aprovado foi um substitutivo do relator na comissão, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), ao Projeto de Lei 9043/17, do ex-deputado Felipe Bornier, e a outros projetos apensados.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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