O transporte aéreo mundial é responsável por cerca de 2% da emissão global de CO2. Embora aparentemente pequeno, o número absoluto não é nada desprezível, já que estamos falando de mais de 800 milhões de toneladas de CO2 por ano. Mesmo que algumas melhorias de gestão do setor possam
contribuir para a redução, esse ganho é muito marginal e nessa área só o desenvolvimento tecnológico é capaz de gerar mudança significativa.

 


Essa tecnologia tem nome e potencialmente um país para chamar de casa. Trata-se do Sustainable Aviation Fuel (SAF), que embora tenha um nome em inglês, tem grande chance de nascer e adotar o Brasil como casa. Isso porque uma combinação de fatores políticos, econômicos, tecnológicos e naturais favorecem esse futuro por aqui. Além disso, o sucesso dessa iniciativa pode ser mais uma prova de que o desenvolvimento de um país passa, necessariamente, pela colaboração entre governo, empresas e terceiro setor. 

 

A contribuição das empresas 

Itaipu Binacional inaugurou, em julho deste ano, a primeira planta de produção de petróleo sintético para fabricação de combustível sustentável para aviação. 

A Embraer tem realizado frequentemente ensaios com SAF em seus aviões e os resultados têm sido bastante promissores. Na Bahia, a ACELEN anunciou a produção de 20 mil barris diários de combustível de aviação sustentável (SAF).


Em São Paulo, a Petrobras assinou contrato para modernização da Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), onde deverá processar até 2.700 m³ por dia de insumos para produção de Bioquerosene de Aviação - BioQav (SAF). A iniciativa faz parte do Programa BioRefino que prevê investimentos de US$ 1,5 bilhão nas refinarias para desenvolvimento de combustíveis mais sustentáveis.


Em Roraima, a Brasil BioFuels extrai o óleo de palma, que será refinado no Amazonas, gerando 500 milhões de litros de biocombustíveis por ano. Já no Paraná, a Geo Biogás celebrou um acordo com a Copersucar para construir uma planta piloto para a produção de SAF a partir de biogás.

 




A contribuição do governo


O Instituto de Química da USP e o Programa FAPESP de Pesquisa em Bionergia têm buscado desenvolver tecnologias. O Governo Federal criou o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), que incentiva a pesquisa, a produção e uso de energia sustentável, além de estipular metas de redução de emissões a partir do uso do SAF. As empresas aéreas estão obrigadas a aumentar, ano após ano, o percentual da mistura de SAF ao querosene de aviação fóssil. Isso deve favorecer a demanda do
combustível e contribuir para a redução gradual dos custos de amortização dos investimentos. AAgência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) definirão, respectivamente, os valores das emissões totais equivalentes por unidade de energia no ciclo do poço à queima de cada rota de produção de SAF e as premissas para ametodologiade cálculo daredução de emissões pelas companhias aéreas, além de fiscalizaros operadores.

 


A contribuição do terceiro setor


No Rio Grande do Norte, o Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis inaugurou uma planta - piloto para produzir SAF. A Organização da Aviação Civil Internacional(OACI)tem pressionado todos os países do mundo a assumirem compromisso de descarbonização da aviação civil em fóruns internacionais.Sem mencionar uma série de associações de setores econômicos, tais como Associação Brasileira de Aviação Geral, Associação Brasileira de Bioinovação, Associação Brasileira das Empresas Aéreas, Associação Brasileira do Biogás, Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, Aeorportos do Brasil etc., que se reuniram em torno da Conexão SAF.  Esse grupo está promovendo o debate estruturado em torno dos desafios técnicos, regulatórios, tributários, produtivos e logísticos para a produção e o consumo de SAF. 

 

Embora a produção de SAF no mundo representasse, em 2023, apenas 0,1% da demanda por combustível de aviação, o equivalente a 600 milhões de litros, espera-se que em 2025 esse número suba para 2%, ou 8 bilhões de litros de combustível. De 2022 para 2023 a produção dobrou. Entre 2023 e 2024, a expectativa é que a produção triplique e entre 2024 e 2025 que ela aumente quatro vezes, consolidando um caminho de crescimento que tende a ser exponencial. Existem, atualmente, cerca de 100 projetos de fabricação de SAF em 30 países do mundo, mas a América Latina e o Brasil, em especial, estão se destacando devido à alta disponibilidade de biomassa.

 


Mas as vantagens não param por aí. A experiência do Brasil com a produção de biocombustíveis, a existência de capacidade técnica em profissionais de alto nível, a multiplicação de projetos e do interesse de empresas privadas e a disponibilidade de recursos para produção por meio de diversos caminhos alternativos, colocam o país numa posição privilegiada para ser o berço da produção em larga escala desse combustível no mundo.


Durante o Agriculture Investment Conference, o CEO da Airbus, Gilberto Peralta, foi taxativo: “O Brasil pode se tornar a Arábia Saudtita do SAF, com produção anual de 50 bilhões de toneladas nos próximos anos”. Em termos tecnológicos o SAF é muito interessante, pois apesar de o princípio de produção ser basicamente o mesmo de outros biocombustíveis, a pureza e as características do SAF são bem distintas, o que cria uma série de desafios no processo produtivo.


Atualmente, existem sete rotas tecnológicas aprovadas. Cada uma combina insumos e processos químicos próprios. Os SPK-HEFA são produzidos a partir de óleo vegetal e gordura animal; e os SPK-HCHEFA a partir de hidrogênio, ácidos graxos e ésteres; os SPK-FT a partir de biogás; já para a produção de SPK/A os insumos diferem e pode ser utilizada qualquer forma mais fraca, como resíduos urbanos e agroindustriais, que recebem adição de aromáticos para atingir os níveis necessários; o SPK-ATJ é feito a partir de etanol; SIP a partir de açúcares; CHJ a partir de biodiesel.


Entre os processos químicos utilizados, temos: Reação de Fischer-Tropsch, que transforma gás em hidrocarboneto a partir da adição de um catalisador; Hidrogenação, que cria hidrocarbonetos pela quebra de ligações duplas e triplas a partir da adição de hidrogênio; Hidrotratamento, que realiza a purificação de uma substância pela introdução de hidrogênio, que se liga ao enxofre e nitrogênio formando compostos que são removidos; Fermentação, pela qual bactérias transformam açúcar em álcool; Hidrotermólise Catalítica, que converte biomassa em bioóleo em condições de alta temperatura e pressão e com adição de catalisador. 


Outras formas de produzir o SAF continuam sendo pesquisadas, e atualmente, uma das mais badaladas prevê a produção do combustível a partir da captura de CO2 diretamente da atmosfera. Um ponto importante a notar é que nem todas as rotas que levam ao combustível sustentável da aviação produzem de primeira uma quantidade suficiente de hidrocarbonetos do tipo aromático. Este tipo específico de substância é importante para dar viscosidade ao combustível e para evitar que ele congele em grandes altitudes. Por isso, rotas mais pobres como a SPK/A preveem a adição dos hidrocarbonetos aromáticos na mistura.

 

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Do ponto de vista da implementação, a grande vantagem do SAF em relação a outros tipos de combustíveis é que como sua molécula é praticamente idêntica à do querosene de base fóssil, não é necessário fazer adaptações nos motores dos aviões e na infraestrutura de abastecimento. Com isso, o SAF se destaca como uma alternativa viável e estratégica para acelerar a descarbonização da aviação, e para o Brasil pode se concretizar como um novo caminho de desenvolvimento sustentável.

 

 

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