Lulu, meu compadre e amigo de uma vida inteira, foi um exímio ladrão de galinha. Deixe-me explicar antes que nossa cara amizade vá pelos ares. Cozinheiro de mão cheia e violeiro que animava até velório lhe renderam o apelido de Lulu boêmia. Nas madrugadas, após fechar todos os botecos de Ibiá, era a hora das galinhas pagarem o pato.


Tia Arakem, conhecedora dos larápios, colocava preço no poleiro das galinhas. Dessa forma, tratava-se de “furto” consentido, o qual poderia acontecer com ou sem emoção. Ou seja, com ou sem cachorro solto.
Da cozinha da casa dele ao abrigo das penosas apenas 20 metros e um muro já combalido. O problema era a Rainha, cachorra policial que frequentava o terreiro e tinha faro fino e dentes afiados.


Era aí que entrava em cena A Isca. Cuidadosamente recheadas com um bom sonífero era o suficiente para dar um repouso dos deuses à Rainha do terreiro.


Cabe lembrar que, há 45 anos, não dispúnhamos de galinha congelada de granja. Os galinheiros do vizinho eram o supermercado mais próximo. Minha mãe e tia Arakem foram grandes fornecedoras da cara iguaria in natura.


Usadas com diferentes propósitos, iscas estão mais do que nunca presentes em nosso dia a dia em ações não tão românticas quanto as das nossas noitadas interioranas da adolescência.


Nessa última semana, presenciamos uma poderosa “isca” negacionista lançada pelo órgão máximo de regulação da atividade médica do país.


A atual direção do Conselho Federal de Medicina (CFM), coerente com suas posições políticas anteriores, resolveu perguntar aos médicos de todo país, independentemente da especialidade, se estes são favoráveis a vacinação obrigatória de crianças menores de 5 anos de idade contra COVID-19.


“Pesquisa” com claro viés ideológico e, mais uma vez coerente, com o apoio dado a cloroquinadores, os quais, apesar de inúmeros trabalhos mostrando a ineficácia dessa droga para tratar a COVID-19, acabou por levar a óbito 12% dos que acreditaram nesse fake tratamento, conforme trabalhos nacionais e internacionais publicados nas revistas mais respeitadas do planeta.


Diante das eleições que se aproximam e de evidências científicas contundentes de que a postura do CFM, e do seu aliado principal, comprometeu a saúde da população, tornava-se imperioso jogar uma boa “isca” para desviar a atenção das entidades médicas. Esse foi o objetivo do questionário sem pé nem cabeça.
O termo negacionismo vem do francês “négationnisme”, que significa a escolha por negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável.
Na ciência, o negacionismo é definido como a rejeição de conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico em favor de ideias tanto radicais quanto controversas.
Negacionismo de vacinas, negacionismo climático e negacionismo da pandemia de COVID-19, são exemplos de posturas negacionistas que inundam as redes sociais.


O negacionismo é fruto de crenças religiosas radicais, interesses políticos, interesses pessoais e sem dúvida, um mecanismo de defesa e de ataque a pensamentos opostos. Nesse sentido, é também uma eficiente maneira de fazer propaganda. Trata-se da tentativa de se obter notoriedade pela controvérsia.


Para tal, é preciso corromper a informação. Fazer circular fake news fantasiadas de ciência. Com aparato tecnológico sofisticado, produzem testemunhal falso e falsas pesquisas, as quais ganham ares de verdade para os menos informados.


Geralmente fazem oposição a universidades, sociedades científicas, veículos jornalísticos constituídos e organizações internacionais, as quais são classificadas por eles como doutrinadoras e corruptas.


A intenção clara é exacerbar a polarização e criar o discurso do ódio mobilizando grandes massas para agirem com emoção e violência. Ancorados na desinformação e na infodemia (epidemia de informações distorcidas) o objetivo é criar uma pós-verdade, a qual se caracteriza pelo desprezo pela informação baseada em ciência em favor do conforto do senso comum.


Entendendo o negacionismo como uma estratégia política, cabe a pergunta: Qual a vacina mais eficaz contra essa doença?! Certamente, a informação de qualidade, a defesa intransigente de princípios democráticos e a punição exemplar daqueles que em defesa de interesses escusos agiram contra princípios básicos de saúde pública e promoveram a morte e sofrimento de milhares de pessoas. Ou seja, não se trata de roubo de galinha! Temos que ficar atentos para identificar e lidar com essas “iscas macabras” e cuidadosamente arquitetadas. 

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