Se não bastasse a COVID-19, dengue, chikungunya, zika e as superbactérias, agora temos a plasticodemia. Sim, a epidemia de plástico que polui todo o planeta e que sabemos estar dentro de cada um de nós.
No último dia 7, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo, The New England Journal of Medicine, publicou uma pesquisa prospectiva de tirar o sono e nos acordar para uma realidade com a qual teremos que lidar nos próximos séculos.
Pesquisadores italianos estudaram 257 pacientes submetidos a endarterectomia carotídea (remoção cirúrgica de placa de gordura da artéria carótida), sendo que 58% apresentaram microplásticos e nanoplásticos (MNPs) na placa. Sua presença foi associada a um aumento subsequente de 4,5 vezes na taxa de mortalidade por diferentes causas, particularmente ataque cardíaco e derrame.
Abrindo a geladeira e os armários da minha casa, a constatação é óbvia: os plásticos estão por toda parte. A produção anual é superior a 400 milhões de toneladas, com perspectiva de dobrar até 2040, produzidos a partir de combustíveis fósseis com milhares de aditivos químicos conhecidos por serem carcinogênicos, neurotóxicos e disruptivos de nosso metabolismo lipídico. Como resultado de nossa ingestão e inalação, eles foram encontrados nos tecidos das pessoas - no trato gastrointestinal (colon, fígado), linfonodos, baço, pulmão e placenta, juntamente com seus efeitos tóxicos.
Microplásticos e nanopartículas plásticas (MNPs), produto de sua degradação, têm sido associados à asma, câncer, comprometimento cognitivo, doença pulmonar intersticial, nascimentos prematuros e alteração das bactérias de nosso intestino e do ambiente. As MNPs foram encontradas na água potável e engarrafada e ligadas a partículas finas (PM2.5) no ar. Os dados do CDC indicam que provavelmente estão presentes nos corpos de todos os americanos e, com certeza, em nós brasileiros também.
Um excelente artigo de revisão, também presente na mesma edição do NEJM, analisa os efeitos conhecidos na saúde do ciclo de vida do plástico. A microscopia eletrônica evidenciou as micropartículas no interior de macrófagos (nossas células de defesa), gerando uma reação inflamatória crônica que culmina em desfechos cardiovasculares catastróficos. Jamais imaginei ver macrófagos, literalmente mascando chicletes.
Em resumo, esse estudo espetacular apresenta duas novidades: a presença de MNPs em placas ateromatosas de pacientes e sua associação com desfechos cardiovasculares adversos importantes. Embora exista a possibilidade de que as MNPs encontradas sejam contaminantes, e que seja impossível descartar quaisquer efeitos de confusão, a metodologia cuidadosa com espectrometria de massa, microscopia eletrônica, evidências fortes de marcadores pró-inflamatórios em placas com MNPs, a representatividade dos pacientes e a consistência entre os três centros hospitalares nessa avaliação prospectiva são notáveis.
Trata-se, portanto, de um trabalho profundamente preocupante, que exigirá análise independente. O acúmulo massivo e não controlado de plásticos, com evidências esmagadoras de nossa ingestão e inalação, com distribuição sistêmica em nossos corpos por meio da circulação sanguínea, deve provocar esforços significativos para antecipar o controle do que foi chamado plasticodemia.
Uma vez que 40% dos plásticos provêm de itens descartáveis de uso único (como garrafas de água de plástico), já passou da hora de fazer algo para abordar especificamente seu uso permissivo e indiscriminado, idealmente proibindo-os. No novo artigo de revisão, muitas estratégias para reduzir a exposição tóxica nos níveis individual e político são apresentadas, incluindo o que comemos e como limpamos.
Como descrito no editorial da revista, "a crise do plástico cresceu insidiosamente enquanto todos os olhos estavam focados nas mudanças climáticas". O quadro geral de transição definitiva para longe dos combustíveis fósseis e a abordagem eficaz das mudanças climáticas são assuntos de máxima urgência.
O estudo eleva a preocupação com as micronanoparticulas de plástico a um novo nível - penetrando em nossas artérias e exacerbando o processo de aterosclerose, a principal causa global de mortes. É a epidemia que, assim como as doenças infecciosas, teremos que enfrentar sem negacionismo, agora e ao longo dos próximos séculos.