Um facho de luz cruzou o céu e desapareceu atrás da Serra do Curral. Foi rápido. Meus olhos acompanharam aquele espetáculo e pronto. Acabou sem dar tempo nem de dizer: “Núúú, cê viu?!”.
A Serra, mesmo violentada pela voracidade mineral do mundo, acolheu o pequeno meteoro, assim como as mães abraçam os filhos que voltam para casa depois de longa adolescência.
Certamente não foram apenas os meus olhos que captaram aquele milésimo de segundo que encerrou uma jornada de centenas de bilhões de anos de um fragmento solitário pelo universo.
O seu futuro agora é virar commodity. Subirá de posto na escala universal. Em breve será moído e misturado ao minério da Serra. Na sequência, se transformará numa maçaneta de porta na China. Quem sabe, uma viga de ponte superfaturada, que liga o nada ao nada no interior do Mato Grosso.
Pobre meteoro, não tinha outro lugar para cair nesse universo de meu Deus?!
E nós que já nascemos plantados no planeta azul, o que será que nos espera?! Uma bala perdida?
Um delegado corrupto, aliado a políticos, inescrupulosos e assassinos, ou a justiça que tarda, mas não falha?!
Parece que a história é teimosa como meteoros que vagam pelo espaço. Tende a se repetir compulsivamente. Governos ancorados em igrejas para se manterem de pé é uma fórmula tão antiga quanto a Lei da Gravidade.
Estamos vendo mais do mesmo desde o Egito antigo. Pirâmides viraram túmulos de Faraós, que hoje descansam em museus à espera de um dia voltarem a reinar. Tudo devidamente prometido e garantido pelos sacerdotes da época.
Que Deus estranho esse que se alia a governantes para subjugar seus filhos e obrigá-los a colocar pedra sobre pedra! O poder sempre fez de Deus trampolim para mais poder. Inventamos uma “estória” e acreditamos nela até o fim, mesmo sabendo que essa é uma criação nossa. Meteoros perdidos em busca de colo celestial e de uma Serra do Curral.
Ópio a impregnar desigualdades e injustiças. As Dez Pragas nos visitam há milênios e teimosamente repetimos os mesmos erros. Temos vacinas e preferimos a doença. Temos liberdade e flertamos com a ditadura. Temos o destino em nossas mãos e o entregamos ao nada. Temos mais medo da solução do que do problema. Oremos, é lucrativo, não paga imposto e dá poder.
Enquanto isso, a lama escorre e soterra. O bombeiro escava e tira uma criança com vida dos escombros. Nossos olhos se enchem de lágrimas. Mas a lama está lá. Não sairá de lá, nem as pessoas.
O mosquito, por sua vez, também está lá, e acordará com as primeiras gotas de chuva. Tudo normal, desde sempre. Apenas mais uma praga a ser incorporada a nossa história.
Nos acostumamos com a tragédia como se ela fosse imutável. Desígnio divino. Apocalipse escravizador de quem espera por milagre nesta “Santa Semana”.
Do outro lado do mundo, um ditador coça a mão para apertar um botão e mandar o seu vizinho e o planeta inteiro pelos ares. Ódio atômico sem limites. Paranoia de quem precisa de armas para evitar a guerra. A doença mental individual e coletiva é estagnante e altamente destrutiva.
Normalizamos a loucura, a injustiça, as catástrofes e a desigualdade entre os seres humanos. Nos tornamos assim, menos humanos. Rezamos, atiramos e matamos em nome de Deus, rogando para que uma Inteligência Artificial nos tire da enrascada que nos metemos.
Assim, seguimos nossa saga, vagando do nada ao nada até nos transformarmos em nave espacial e talvez maçaneta de porta num planeta qualquer. Assombração sabe para quem aparece. Senhor, ora-pro-nóbis.