Hoje, acordei sonhando com minha nova bicicleta. Ela deve ter chegado na loja depois de semanas de espera. O cheiro de nova, o barulho da catraca e a emoção da primeira volta são o colorido desse mágico encontro.


O prazer aos 60 não é diferente daquele experimentado aos 8 anos na noite de Natal, quando Papai Noel me presenteou com uma Monareta Caloi branca, dobrável com pneu-balão. A única diferença é que hoje eu sou o Papai Noel. Meus brinquedos são mais caros, mas a emoção é a mesma.


A bicicleta é o meu antídoto contra o envelhecimento. Quando penso em envelhecer, ela me chama para um passeio e eu volto no tempo - mais de 50 anos. O vento no rosto é o elixir da juventude. Num pelotão a 45-50 km/h, não há tempo para se pensar na idade.


Acho que pertenço a uma nova espécie mutante que não conhece o termo envelhecer. Ainda não tive tempo para isso. Quanto mais o tempo passa, mais planos e montanhas a escalar invento.


Vez por outra, visito a adolescência. Já não tenho os mesmos cabelos. Me sobraram raras e preciosas matas ciliares, as quais são suficientes para exigir um shampoo com o mesmo aroma de quando as madeixas embaraçavam. Ao penteá-los, o pente fino nem percebe que está deslizando sobre o vazio. Carecas, por nostalgia, adoram shampoo e pente fino.


A tecnologia ajuda a manter o fogo adolescente da paixão. Minhas filhas mais novas, que me proíbem de pensar em envelhecer, são deliciosos eventos adversos e efeitos colaterais da ciência aplicada ao prazer e ao amor sem limites.

 




Meus amigos parecem ter ido pelo mesmo caminho. Supimpa, ao completar 70 anos me disse: Não doeu nada! Tomou uma cachaça, comeu um torresmo e vida que segue.


Quando nos encontramos a sensação é de estarmos embarcando no velho ônibus Daldegan para uma viagem no tempo.


O Mundinho virou um atropelador de “caranguejos” -, assim ele zomba de meros tumores, os quais trata com diagnóstico precoce, bisturi, cerveja gelada e bom humor. Seus planos de festas são eternos e atropelam décadas e milênios.


Todos, mesmo os que já se aposentaram, seguem trabalhando e degustando o conforto que o conhecimento acumulado e a experiência lhes conferiram. Nem o ócio nem a solidão lhes mete medo. Afinal, ao longo dos anos fomos, na marra, sendo adestrados a usar computadores e smartphones, os quais de uma maneira ou de outra, são um antídoto contra a solidão.


Atravessamos o século e o milênio tendo que nos adaptarmos às mudanças que nos foram impostas. Abraçamos o ultrassom, a tomografia, a ressonância magnética, novas técnicas cirúrgicas e anestésicas, novos antibióticos para tratar superbactérias, a inteligência artificial e vacinas contra doenças com as quais as novas gerações jamais tiveram contato.


Hoje pela manhã entrei no elevador com minha vizinha, residente de pediatria do Centro Geral de Pediatria. Rapidamente comentei com ela sobre a tragédia que enfrentamos nas décadas de 1980 e 1990, nessa mesma unidade da Fhemig, tentando controlar o sarampo hospitalar. Crianças não vacinadas admitidas com uma doença qualquer, ao adquirirem o sarampo dentro do hospital, tinham mortalidade acima de 60%. Ela ficou surpresa, pois nunca tinha visto um caso de sarampo na vida.


Esse é um dos “milagres” que nossa geração teve a felicidade de presenciar e viver. As vacinas mudaram o rumo da história da humanidade e nos transformaram em apóstolos dessa revolução.


Curiosamente, muitos que viveram essa mesma realidade, por questões políticas recentes, passaram a negá-la. Grave sinal de demência induzida pelo negacionismo. Esse mesmo radicalismo afastou famílias, grupos de colegas de escola e amigos. Ou seja, doença tóxica grave que envelhece e isola.


O resgate da relação entre as pessoas com opiniões diferentes está na arte, na educação e sabedoria de manter diálogo sobre o que as uniu durante a vida, não sobre o que as separou.


Somos todos mutantes, seres de uma geração que curtiu a música “Balada do louco” e aprendeu a carregar a juventude internamente, driblando com otimismo a ferrugem do tempo.

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