Por que subo montanhas?!
Subo, porque é preciso subir
Subo para a vida continuar brotando
Subo para tocar o céu
Treino para adentrar o infinito
Sincronizar o tempo
Marcar os dias
Ler e escrever o mundo
Enxergando as sombras
Toda dor tem cura
Basta subir montanhas
Nesse último final de semana, abracei o passado e beijei o futuro.
Fiz uma viagem mágica a Ibiá e Araxá, no Triângulo Mineiro, onde lancei o meu último livro “O tempo sem tempo”, pela Editora Autêntica. Ibiá foi a cidade onde sequei o umbigo. Araxá, parte do quintal da minha casa, onde ele foi enterrado.
Quinta-feira, 20 de junho:
Mergulhei na Avenida Amazonas rumo ao Triângulo Mineiro. Errei no entroncamento para São Paulo. O Sul quis me levar. Eu precisava do Oeste. Achei a 262. O sol agora estava na posição que deveria estar.
Pista dupla! Chique no último! Tem base?! Voltei a treinar meu “Ibiaês”, o qual nunca saíra de mim. Há 20 anos não passava por essa estrada. Tudo diferente e a mesma coisa. O estranhamento era o mesmo daquele dia que, há 55 anos, me levara do meu ninho. A estrada era a mesma, o viajante não.
Como tudo que é bom nesse país acaba rápido, a pista dupla também acabou em Nova Serrana. Novamente descalço! Trocadilho infame! Para viajar sozinho, não cochilar ou enlouquecer é preciso rir de si mesmo.
Passei a ponte do São Francisco e comecei a escalada da Serra de Campos Altos. A estrada serpenteia montanha acima e quase beija o céu. Só não chega até lá, por causa do SIGA/PARE, hiato necessário para reparar o caminho.
Eram 5 da tarde quando aportei em Ibiá. A luz do dia aos poucos dava lugar à lua cheia. Caminhei em silêncio pela cidade como se andasse dentro de minhas entranhas. As ruas, as casas, a praça e a igreja estavam lá. Tudo diferente e absolutamente igual. Entrei pela lateral da igreja matriz e dei de cara com São Sebastião. Se não estivesse amarrado ele me abraçaria. Eu o abracei.
Caminhei até o Grupo Escolar Dom José Gaspar, onde comecei minha jornada, e hoje seria o local do lançamento do livro. Dezenas de pessoas me aguardavam. Eram todas conhecidas, amigas e certamente me viram correndo pelas ruas de calça curta. Com a batida do bundo da fanfarra na qual toquei prato na infância, a memória e o passado foram sendo acordados de um sono profundo. A emoção bateu forte e tive que ser amparado pela minha amiga e colega Olímpia, a qual junto com a Academia Ibiaense de Letras haviam preparado a surpresa. Após autografar inúmeros livros, a noite terminou no Bar do Bené, com amigos dos “tempos sem tempo”.
Sexta-feira, 21 de junho:
Ibiá é uma cidade que apita. A fábrica e os trens apitam. Me lembro desses apitos ainda deitado ao lado da minha mãe. Olhei ao meu lado e ela já havia saído.
Às 8 da manhã, fui conversar com os alunos da minha antiga escola. Fui de bicicleta, minha companheira inseparável ao longo dos anos. O menino dentro de mim estava em festa. Me vi em cada um daqueles olhos atentos que me observavam como se eu fosse um extraterrestre. Sim, eu era um ET.
Pedalando pela cidade, encontrei um grupo de meninos subindo uma ladeira cantando e empurrando as suas bikes. Convidei-os para uma foto e um pedal. Toparam na hora.
Subi o morro pedalando com eles. Eu era eles e eles, eu.
Segui meu caminho sem planejar. Passando pela porta do cemitério, resolvi entrar. Coisa que nunca faço! Tentei achar o túmulo dos meus avós. Não encontrei. Pedi ajuda de um coveiro e ele não dava nenhuma notícia dos meus defuntos. Com toda certeza, estavam lá, afirmou ele.
De Ibiá fui para Araxá participar da 12ª Fliaraxá, organizada pelo Afonso Borges. Não sei como fiquei tanto tempo sem conhecer esse evento. Não foi por falta de convite. Caí num caldeirão de sensibilidade do qual nunca soube que seria parte do tempero.
Como disse o imortal da AML, Luís Giffoni, em sua apresentação: “A leitura é a profilaxia da demência. Portanto, uma questão de saúde pública”.
Foram dois dias de imersão numa bolha mágica da qual nenhum escritor gostaria de sair. A encruzilhada chegou. Para saber qual caminho seguir é preciso assoviar. Assoviei.
Sábado, dia 22 de junho:
Voltei pelo mesmo caminho que fui. A estrada era a mesma. Eu, nunca mais.