Amor não é doce nem salgado

Não é liso nem áspero

Nem é preto nem branco

Nem flor nem espinho

Amor não é comprado nem dado

Não é presença nem ausência

Nem rio nem mar

Nem montanha nem planície

Amor não é chegada nem partida

Não é substantivo nem adjetivo

Nem pretérito nem futuro

Nem carne nem unha

Amor não é dia nem noite

Não é mata nem deserto

Nem furacão nem calmaria

Nem fogo nem água

Amor não é nada nem tudo

Não é o A nem B

Nem forte nem fraco

Nem isso ou aquilo

Não sei o que é o amor

Sei que amei

Só sei que te amo.

 

Hoje será um dia especialmente dedicado ao amor. Não importa os interesses comerciais que permeiam a data. O que de fato faz sentido é a necessidade de pelo menos num único dia se pensar no ser amado. Na realidade, esse dia deveria ser para lembrar todos os outros em que o amor ficou esquecido ou adormecido. Tempo perdido.

 

 

Falar de amor e poesia é lembrar Vinicius de Moraes. Há alguns dias fui à Bahia participar de um congresso. Mágica Bahia que sempre me inspirou, assim como ao poeta e a quase todos que por lá passam.

 


Chegando ao hotel foi que me dei conta de onde estava. Eu acabara de chegar na casa de Vini. Um hotel que incorporou a casa que Vinícius construiu em Itapuã para viver com sua amada Gessy Gesse nos anos 1970/80.

 


Não acredito em coincidências, assim como em bruxas. Mas que elas passeiam soltas por aí, não tenho dúvida. Eram mais de 10 da noite e o recepcionista não localizava a minha reserva. Brinquei com ele: “Pode me colocar no quarto do Vinícius. Ele está me esperando para um ‘tim-Tim’”.

 

 




Depois de muito teclar, o computador concluiu que o único quarto disponível era o que ficava na parte original da casa, ao lado do quarto do poeta. Originalmente, foi o quarto da Rose, filha da Gessy, e depois o pouso do Toquinho.

 


No caminho do quarto, passamos por uma grande porta, um corredor e adentramos a casa. A sensação é de passarmos num portal do tempo. A casa de Vini estava lá, praticamente intocável. Quadros, fotos, objetos pessoais, garrafas de whisky pela metade, violão e poemas por toda parte. Rastros do amor que ali foi vivido. As paredes vivas contavam uma história que eu tinha certeza de ter vivido.

 


Chovia, já era tarde e fui aconselhado a não me aventurar pelas ruas de Itapuã. Voltei para o quarto e fiquei ouvindo o barulho distante do mar, por vezes interrompido por sirenes e carros que ainda circulavam. Dormi.

 


No dia seguinte, durante o jantar no restaurante do Vini, em companhia do meu amigo César Mota e outras pessoas numa longa mesa, fiz um hiato na conversa. Servi uma taça de vinho e mergulhei numa solidão atemporal. Quando voltei para a conversa, já estava escrito:

 


Onde está Itapuã?

Cadê Itapuã?

Cadê suas tardes de sol sem fim?!

Seus disc-discs suaves?

Já não a reconheço.

O sol da Bahia continua brilhando como nunca.

Arde sobre o asfalto e quase se arrepende de tanto brilhar.

Já não tenho o dia pra vadiar,

Nem praia pra fazer amor.

O coco verde está raro, melancia nem pensar.

Céu e mar já não se entendem.

O arrepio da noite é medo?!

Itapuã já não nos permite falar de amor.

A velha casa de amar continua lá.

Está lá, com nossas vidas expostas ao mundo.

Garrafas de Whisky pela metade num velho armário.
Amor estampado nas paredes.

Foi o que ficou,

Músicas e uma história de amor.

Precisa mais?!

 

Não conheci pessoalmente a Gessy Gesse, mas tive acesso ao seu livro “Minha vida com o poeta”, o qual recomendo. Trata-se de um registro histórico de uma época linda e romântica, apesar de toda a turbulência política que permeava o ambiente.

 

O Poeta casou-se nove vezes. Certo dia, Toquinho o perguntou: “Vinicius, quantas vezes você vai casar?!”.

“Quantas forem necessárias”, respondeu ele, sem titubear.

“Ai de quem não rasgar o coração, esse não vai ter perdão.”

Sim, fiz ‘tim-tim’ com o poeta.

compartilhe