A anencefalia é uma má formação rara do tubo neural, caracterizada pela ausência total ou parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária. Ocorre 1 caso a cada 1.000 nascidos vivos. Trata-se de patologia letal. Bebês com anencefalia não têm expectativa de vida fora do útero.


A gravidez de anencéfalos é considerada de alto risco, porque o feto fica em posição anormal e há o perigo de acúmulo de líquido no útero, descolamento de placenta e hemorragia. Portanto, anencéfalos não têm qualquer horizonte existencial e colocam em risco a sobrevivência da mãe durante a gestação. O mesmo ocorre com a gravidez resultante ou não de estupro durante a adolescência, que corresponde à grande maioria das mulheres vítimas desse crime hediondo.


A decisão do STF, de abril de 2012, permite o aborto de fetos anencéfalos, assim como o de mulheres vítimas de estupro. Entre os vários motivos para tal, a preservação da vida da mãe é o principal. Trata-se, portanto, de problema de saúde pública dos mais relevantes, na medida em que, pelas estatísticas alarmantes, uma mulher é estuprada a cada 6 minutos no Brasil.

 




Na última semana, entretanto, um projeto de lei proibindo o aborto em qualquer circunstância propõe, também, uma pena de 20 anos de cadeia para as mulheres que se submeterem a esse procedimento. Curiosamente, o estuprador tem a metade do tempo de pena de sua vítima.


Fundamentalistas religiosos que parasitam a Câmara dos Deputados são os defensores dessa excrescência. Certamente, os únicos “anencéfalos” vivos na face do planeta. Zumbis falando em nome de Deus. Mas se querem botar Deus no meio dessa discussão, a questão é muito simples: se Deus fez os seres humanos e lhes deu livre arbítrio, quem decide se quer ter ou não um filho é a mulher, que é quem o concebe e coloca o seu corpo em risco pela preservação da espécie.


Qualquer outro argumento é pura invenção do próprio homem. “Mas está na Bíblia”, dizem os assaltantes do poder divino e terreno. Onde na Bíblia, especificamente, não conseguem identificar. Aliás, quem escreveu a Bíblia foram os homens machos (?) legislando em causa própria em nome de Deus. Ou seja, não vale! A divindade, para ser divina, não pode ter apenas um sexo.


Não se trata aqui de ser contra a religiosidade de quem quer que seja e muito menos contra qualquer religião. Mas contra o fanatismo político-religioso e retrogrado que tenta impor aos brasileiros princípios semelhantes ao do Estado Islâmico no Oriente Médio. Se formos nessa linha, em breve as mulheres usarão burca e serão proibidas de frequentar escolas. Tudo em nome de Deus!


Os “Anencéfalos Zumbis” apregoam, em 2024, princípios muito próximos aos da Inquisição durante a Idade Média (476-1453), quando humanistas, livres pensadores e seitas religiosas foram perseguidos, e mulheres acusadas de bruxaria e queimadas em cerimônia pública. Aliás, fogueiras não me parecem mais insalubres que as condições dos nossos presídios, para onde querem mandá-las por 20 anos.


Porém, o mais preocupante de tudo isso é a invasão do Congresso Nacional por radicais religiosos, que se utilizam de seus espaços de culto para fazer política, galgar poder e assaltar os cofres públicos com emendas parlamentares que no próximo ano devem chegar a R$ 50 bilhões. Tudo isso embalado pelo solo de um (a) Lira sedento (a) de poder.


Tempos sombrios nos ensinam que taxar a fé e recuperar parte dos recursos públicos destinada a esses grupos de poder é absolutamente necessário e bem mais urgente que esse ridículo “PL do estuprador”

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“Pautas-bomba” no Congresso em momentos pré-eleitorais geralmente têm objetivos nem sempre muito claros para a maioria da população. Nesse caso, extorquir e chantagear o Poder Executivo foi explicitado pelo próprio autor da excrescência.

 


Radicalizar posições e criar um clima de guerra religiosa no seio da população fortalece extremistas de direita e favorece os aliados de quem apedrejou vacinas e defendeu tratamentos sem qualquer comprovação científica em plena pandemia. A população precisa atentar-se para quem é quem nesse jogo e separar o joio do trigo.


Legislar sobre o corpo das mulheres é apenas uma cortina de fumaça para algo bem mais sério e que nossos olhos a princípio não são capazes de detectar. Entretanto, se a moda pega, o tiro contra elas pode sair pela culatra masculina. Ana Paula Renault, jornalista e ex-BBB, já propôs vasectomia compulsória para homens que abandonam seus filhos e não pagam pensão, além, claro, de uma dosimetria penal compatível com o proposto para as mulheres vítimas de estupro. Tem lógica! Se o estado pode legislar sobre o corpo das mulheres, por que não, também sobre o dos homens?!


Penso eu que castração para estupradores em praça pública, sem anestesia, certamente ficaria mais coerente com o retrocesso à Idade Média do PL (Projeto de Lei) em curso na Câmara.


Ela não parou por aí! A intrépida BBB sugere também um PL para tramitar em igual regime de urgência na Câmara dos Deputados, proibindo a venda de medicamentos contra a impotência masculina (Viagra, por exemplo). “Já que a gravidez é vontade divina, a “brochura” também o é”. Tem total coerência!!


Portanto, senhores parlamentares, pensem bem antes de votar esse PL.

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