Nada de sensual nas cinzas que escondem o azul do céu. O nosso Belo Horizonte ficou enfumaçado. O Brasil arde em labaredas nunca antes vistas. As chamas que consomem todos os biomas são o eco de um grito desesperado da Terra, um lamento que ecoa por entre as árvores caídas, o solo carbonizado e o ar sufocante.
O resultado é a falta de estrelas, o sol vermelho e a noite que chega mais cedo. O clima desértico seca as mucosas, a pele, os brônquios e os rios que nos navegam. Estamos secando por fora e por dentro. Como uma planta arrancada de suas raízes, nos desidratamos lenta e dolorosamente, em um processo que parece irreversível.
A sensibilidade para a realidade cinza que nos espera logo ali é quase nenhuma. O egoísmo e o ato reflexo de viver não nos permite enxergar o óbvio. Continuamos queimando nossas matas e o futuro da civilização. Em um ato de cegueira coletiva, fechamos os olhos para as consequências de nossas ações, preferindo a ilusão de que tudo ficará bem, que de alguma forma encontraremos uma saída. No entanto, a verdade é que continuamos queimando o tempo, nosso bem mais precioso, que está se esvaindo.
O planeta sobreviverá e se recuperará da tragédia humana nos próximos milhões de anos. Já passou por catástrofes antes – meteoros, eras glaciais, erupções vulcânicas devastadoras – e cada vez encontrou uma nova forma de renascer. Nossos descendentes, no entanto, não tenho tanta certeza.
A ciência nos diz que os ciclos naturais do planeta incluem períodos de destruição e regeneração. No entanto, nunca antes o fator destrutivo havia sido provocado por uma única espécie. A capacidade humana de alterar drasticamente o clima, a química dos oceanos e a composição da atmosfera é um fenômeno sem precedentes. O Antropoceno, como alguns cientistas denominam essa nova era, é marcado pela pegada indelével que deixaremos na geologia do futuro.
Como o que vale em nosso atual modelo de desenvolvimento é “o aqui e agora”, deixa a vida nos levar, mesmo que a passos largos para a extinção. Pessimismo? Não. Realismo científico. O que era o medo de gerações passadas agora se apresenta como uma realidade perceptível a olho nu. Estima-se que, em menos de 50 anos, um terço das terras férteis do mundo poderão se tornar deserto. Isso não é uma previsão apocalíptica; é uma tendência observada, acelerada pelo desmatamento, pela agricultura intensiva e pelo aquecimento global.
Impregnados por nano plástico, nossa capacidade reprodutiva ficará comprometida. As pesquisas já mostram que microplásticos foram encontrados no sangue humano, no leite materno, na placenta, no ovário e nos testículos. Estudos sugerem que esses fragmentos invisíveis, que se acumulam em nossos corpos, podem interferir com o sistema endócrino, essencial para a reprodução. Sem a camada de ozônio, a natureza também perderá sua reprodutibilidade. As zonas polares, onde a destruição da camada de ozônio é mais severa, já mostram sinais de colapsos ecológicos, com efeitos em cadeia que já alcançam todas as latitudes.
Ficaremos duplamente estéreis e sufocados. Mas, antes disso, sangraremos. Mosquitos, que se proliferam em climas mais quentes, se tornarão mais que uma mera inconveniência. Dengue, zika, chikungunya, febre oropouche, doenças que já foram restritas a regiões tropicais, expandirão suas fronteiras para incluir regiões temperadas, conforme o clima global aquece. Fungos e bactérias super-resistentes completarão a sentença capital. O uso indiscriminado de antibióticos e a poluição criou um exército de patógenos que resistem às nossas tentativas de controle.
Com rios secos, a água será objeto de desejo e de disputas bélicas que romperão as fronteiras e a estrutura dos países. Já se fala que as guerras do futuro serão travadas por recursos hídricos. Nações que hoje são ricas em água doce se tornarão fortalezas, protegendo suas reservas enquanto outras regiões, secas e desesperadas, lutarão pela sobrevivência. A fome, outro flagelo exacerbado pela concentração de riqueza, mudanças climáticas e conflitos bélicos, já vem gerando movimentos migratórios em massa. As previsões da ONU indicam que até 2050, mais de 200 milhões de pessoas poderão se tornar refugiados climáticos. Esse êxodo em massa colocará pressão sobre fronteiras, gerando conflitos e alimentando o ódio e a xenofobia.
Muros e muralhas aumentarão o preconceito e sentimentos eugenistas. Onde antes havia diálogo e cooperação, haverá divisão e desconfiança. O ressurgimento de políticas eugenistas, apoiadas por uma pseudociência, alimentará a segregação e a discriminação. Nesse ambiente, falsos messias surgirão aqui e acolá. Negarão o caos e propagarão uma agenda religiosa, populista, militarizada e fantasiosa. A história nos ensina que em tempos de crise, as massas se tornam suscetíveis a líderes carismáticos que oferecem soluções simples para problemas complexos. Esses "salvadores" perpetuarão o ciclo de destruição, conduzindo suas nações para mais perto do abismo.
A inteligência artificial nos salvará dessa enrascada?! Infelizmente, não. Apenas constatará: “Game over”. A IA, com toda a capacidade de processamento e análise de dados, apenas refletirá a realidade criada por nossas ações. Pode simular milhões de cenários, prever colapsos e sugerir soluções, mas não pode agir por nós. A tecnologia, que muitos veem como a chave para um futuro melhor, se tornará uma testemunha impotente da queda humana. O Livre Arbítrio é nosso e não do silício.
A pergunta fundamental: tem jeito?! Provavelmente, não mais. A resposta não é resultado de uma visão pessimista, mas de uma análise fria e objetiva dos dados que temos em mãos. Apesar de todos os alertas feitos por cientistas e evidências contundentes da degradação climática dos últimos 2 séculos, nada mudou. O capitalismo, seja ele americano, europeu, russo, ou chinês, desfila mais discursos do que práticas para reverter o processo autodestrutivo. Esse século tem sido marcado por uma enxurrada de compromissos climáticos, acordos internacionais e promessas de redução de emissões. No entanto, a realidade é que as emissões de carbono continuam aumentando. Florestas continuam sendo devastadas, e os oceanos se acidificando. Nenhum sinal de luz no fim do túnel. Apenas cinzas.
Em última análise, o que restará da civilização humana será uma camada de sedimentos, uma fina linha de plástico, concreto e resíduos radioativos, preservada na rocha para que, milhões de anos no futuro, talvez alguma forma de vida inteligente possa estudar e tentar compreender. Não seremos lembrados por nossas conquistas tecnológicas, nossos avanços médicos ou nossas obras de arte. Seremos lembrados como a espécie que teve o mundo em suas mãos e o deixou escapar.
O futuro que agora moldamos não será nosso. Será dos descendentes de nossas ações, ou talvez daqueles que vierem depois de nós. E, nesse futuro, o azul do céu e o verde das florestas poderão retornar, mas nós não estaremos mais aqui para testemunhar. E assim, o ciclo da Terra se completará mais uma vez, enquanto nós nos tornaremos apenas uma nota de rodapé na vasta história do universo.