Dormir é coisa séria. Tão séria quanto a água que ocupa 75% do nosso corpo e o ar que respiramos. De consciência tranquila, um brasileiro médio tem 24 anos de sono durante a vida. Se não o fizermos, preferencialmente de forma confortável, surgem as dores, a insônia, distúrbios psiquiátricos e demência.


Os psiquiatras e a indústria farmacêutica sabem muito bem disso. Bilhões são gastos anualmente com divãs, soníferos, antidepressivos, ortopedistas, fisioterapeutas etc. Ou seja, um verdadeiro complexo médico-industrial em torno de algo que deveríamos fazer naturalmente, dormir.

 


Recentemente, quase nos meus 60 anos, descobri que não sabia fazer coisas absolutamente naturais e fisiológicas que qualquer animal nasce sabendo. As passagens de ano, particularmente anos redondos, são momentos altamente propensos a levar-nos ao check-up geral. Mesmo que questionáveis, acabamos nos rendendo às preocupações alheias.

 




Uma antiga hemorroida me levou a uma proctologista. Não se trata de machismo, mas, dos dedos finos. Certamente, a delicadeza tornaria o processo menos dramático para o já combalido fundo magno. Logo na anamnese, percebi pelo olhar circunspecto da colega, que tomei bomba nos quesitos posição e horários defecatórios. Porém, minha dieta equivocada e a baixa ingesta líquida me levaram à conclusão de que o que entra errado, sai errado.


Passei no item higienização, graças ao chuveirinho. Não sei como os americanos vivem sem este apetrecho maravilhoso. Ignoro também, como eles têm coragem de entrar em piscinas repletas de cuecas carimbadas. Cada vez mais, saliento para as minhas filhas evitarem piscinas americanas e lavarem muito bem as mãos após mexer com dinheiro em papel. Nunca se sabe na cueca de quem essas notas passearam.


A fase seguinte foi a urologista. Mais uma vez, escolhi a dedo. Fui a uma colega e amiga, quase suplicando por uma indulgência dedal. Nada disso: quanto mais próxima a relação, menos piedosa é a sentença. Dedo enluvado, prece maometana e seja o que Deus quiser. Na sequência, fui alertado de que não estava urinando de forma correta. Mais uma vez, água de menos, frequência, posição e força equivocadas. Nessa hora, comecei a duvidar da competência dos pais para criar os filhos, inclusive dos meus próprios progenitores.


A frequência melancólica se manteve no pneumologista. Resumindo, não sei respirar. No cardiologista, o coração continua batendo por absoluta falta de opção. Mas foi o ortopedista quem mais me assustou: “Você não sabe dormir!”. “Como assim, não sei dormir?!”, disse eu. “Dormir é uma arte”, continuou ele em tom catedrático. O travesseiro deve ser de uma altura exata. Algo macio deve separar as pernas e o joelho. Por fim, sacramentou ele, o mais importante: o colchão!


Uma vida passou pela minha cabeça ao vê-lo descrever a importância do colchão em nossa existência. Lembrei também do que ganhei de presente de casamento. Foi um bom colchão. Durou tanto quanto o casamento - 13 anos. Foi trocado imediatamente após a separação e início de outro relacionamento.


Descobri que as mulheres e, provavelmente, também os homens, têm com os colchões uma relação tão íntima e personificada quanto com o ser amado. Para cada relacionamento, um colchão novo. As pessoas marcam território a partir do colchão. Jamais proponha uma relação estável com o colchão da (o) ex. As reclamações logo aparecerão: “Esse colchão é horrível! Me dá dor nas costas, está manchado e tem um cheiro estranho”.


Nessa hora, muita atenção! A relação está ficando séria e quase irreversível. Lá vamos nós para a loja de colchões… Depois de vários relacionamentos, próprios dos tempos atuais, ainda nos surpreendemos com a lábia dos vendedores. “Este aqui é especial, tem espuma da NASA...este outro tem estrutura de bambu.” Só falta inventarem um que já venha com anticoncepcional, pensei eu.


Estranho: para comprar um carro, dentro do qual passamos poucas horas do dia, pesquisamos meticulosamente todos os detalhes eletrônicos, os quais raramente utilizaremos. Quer um exemplo?! Teto solar. Quem abriu o teto solar do carro nos últimos seis meses?! Os carecas e as mulheres, por motivos óbvios, jamais usam essa onerosa e quase inútil sofisticação.


Mas na hora de comprar, compram com teto solar. Incrível capacidade de persuasão dos vendedores de carro, os quais, com frequência, fazem treinamento com os vendedores de colchão. Se o carro for caro e você um cliente vip, o teste drive pode ser de até um final de semana. Já com o colchão, a história é diferente. O test-drive é na loja mesmo. Alguns segundos deitado de sapato e, pronto, você tem que decidir. Decisão complexa e com consequências para a sua coluna e, possivelmente, para o seu relacionamento nos próximos anos. Tendo como referencial teórico a NASA, lá vamos nós para casa com novos sonhos (ou pesadelos) a serem vividos…


O que mais me assombra é o fato de uma agência espacial, que trabalha com foguetes e falta de gravidade, em que o peso do astronauta tem pouca relevância, chancelar a espuma do colchão que iremos dormir.


Mais estranho ainda é o bambu! De onde saiu e onde entra o bendito do bambu?!! Não ouso responder essa pergunta.


Pois bem: minha mulher foi a uma loja de colchões, sem a minha cumplicidade e comprou um exemplar estilo duro. Comprou e pronto! “É barato, se não der certo, o prejuízo é pequeno.” Lá fui eu e minha coluna nessa nova aventura. Mas era muito duro o danado do colchão. Com pouco tempo, eu já lembrava com carinho até mesmo da proctologista. Até ela admitiu que exagerou na dureza. Lá fomos nós à caça de um novo colchão. Desta vez juntos, colunas entrelaçadas e ouvidos atentos para as histórias da NASA e bambu.


Enfim, não sei como podemos vislumbrar viver até os 100 anos com tão pouco conhecimento sobre nós mesmos e principalmente, sobre colchões. Mas, enquanto houver colchões a serem comprados, haverão sonhos e esperança de noites e dias melhores a serem vividos.

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