A ambição e irresponsabilidade ficam submersas nas hipóteses e na cortina de fumaça, jamais investigadas -  (crédito: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

A ambição e irresponsabilidade ficam submersas nas hipóteses e na cortina de fumaça, jamais investigadas

crédito: Marcos Vieira/EM/D.A Press

Mal o dia começa e recebemos o impacto das notícias estampadas nas páginas dos principais jornais do país. Na última quarta-feira, ao abrir o Estado de Minas, não foi diferente: “Risco dobrado” - a desativação dos radares de velocidade agrava e amplia os riscos nas estradas. Somos campeões mundiais de mortes no trânsito, com riscos ampliados pela negligência do próprio estado. Vivi absurdos nas estradas no último final de semana ao retornar de Paracatu, onde participei da fantástica Fli-Paracatu. Antídoto contra a ignorância e o obscurantismo, a feira de livros colocou autores e leitores lado a lado.

 

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Com fogo dos dois lados da pista, a fumaça prejudica a visibilidade. Ainda assim, alguns excedem na velocidade e em ultrapassagens proibidas. Pelo jeito, não queremos largar as primeiras posições do vexatório ranking mundial de acidentes automobilísticos. Nas áreas já queimadas, apenas as flores dos ipês amarelos contrastam com o fundo negro da paisagem. Lindo e tenebroso.


A quem interessa tanto fogo em nossas matas? Quem ganha com as queimadas?! Sabemos que a imensa maioria delas é criminosa. Quem são os criminosos? Em Portugal, descobriram que empresas privadas contratadas para controlar os focos de incêndio eram responsáveis por atear o fogo e lucrarem com o caos. Por aqui, ainda não temos informações sobre esse tipo de prática, mas não a torna improvável.


 


Sabemos que atear fogo nas matas para expandir áreas de pasto para o gado e plantio é uma realidade em várias regiões do país. Lembram do ministro do Messias? Aquele do “deixa a boiada passar”. Semana passada, recebi um vídeo no qual ciclistas gravaram um indivíduo incendiando um canavial com algo semelhante a um lança-chamas. A quem interessaria queimar plantações asseguradas, cujo resultado seria aumentar o preço do açúcar e do álcool? Não precisa ser um gênio para levantar alguma suspeita.


Seguindo o mesmo raciocínio, a quem interessaria o fogo em nossas montanhas recheadas de minério e áreas de expansão imobiliária? Degradar pelo fogo o que já está degradado, faz sentido? O pior é que faz: foi o fogo e não o homem, eis o argumento. As chamas são impessoais e um mero desastre natural. A ambição e irresponsabilidade ficam submersas nas hipóteses e na cortina de fumaça, jamais investigadas.


As notícias espantosas não ficam apenas nos jornais que compõem a imprensa tradicional. No dia 6 de setembro, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta (EUA) publicou a confirmação de mais um caso de gripe aviária (H5) em uma pessoa do Missouri. Esse é o 14º caso descrito em humanos este ano. Uma nova pandemia à vista?! Pode ser, mas nada semelhante ao que vivemos com a COVID-19 no princípio desta década. Nesse caso, além de já dominarmos a tecnologia de produção de vacinas contra a influenza, temos antivirais efetivos disponíveis. Ou seja, preocupa, mas não tira o sono.


O que me tirou o sono, entretanto, foi o convite para celebrar os 95 anos do Mercado Central, rebatizado com pompa e cerimônia nesse final de semana. Um dos principais cartões-postais da cidade passou a se chamar Mercado Central KTO, celebrando o patrocínio da casa de apostas com o espaço público visitado por mais de um milhão de turistas todos os meses.


O professor de literatura e escritor Caio Junqueira Maciel, meu companheiro no grupo de whatsApp Literatura em Minas, disparou poeticamente:


“É tudo mercado


É tudo marcado


É tudo um paKTO


Com o diabo.”


Com o brilhantismo que lhe é peculiar, Caio referenciou o texto que publicou em seu Facebook intitulado “Ex-tádios brasileiros”, o qual, reproduzo na íntegra, com a devida anuência do autor.


“Somente um dia desses aí que fiquei cismado com os comentaristas esportivos chamarem o Morumbi de Morumbis. No início, achei que estava ouvindo mal, devia ser problema do meu aparelho auditivo. Então, numa crônica do Tostão, e logo do Tostão, vi com todas as letras a nova grafia de MorumBis. Achei que devia ser homenagem a alguma tribo indígena, ou até ironia com zumbis. Mas não: é por causa daquele chocolatinho azul, da empresa que o fabrica, que patrocina o estádio.


Depois de ver sumir o lindo nome de Parque Antártica, que virou Arena não sei o quê, e outras arenas aí, como a do Galo, que tem uma sigla, fico imaginando o que vem por aí.


Um dos mais belos nomes de campo de futebol é o do Bangu, do Rio de Janeiro: Moça Bonita. Vai que a Nestlé começa a patrocinar, então vai virar Estádio Leite Moça Bonita.


Se uma empresa judia patrocinar o maior estádio do Brasil, este passará a se chamar Maracanaã. O Mineirão, onde joga o Cruzeiro, corre o risco de virar BH. O estádio de Brasília, Mané Garrincha terá um acréscimo: Mané GarrinCHÁ Premium. O de Uberlândia será Parque Emplastro Sabiá. O de Belém será Mangueirão Viagra. O do Botafogo vai ser Nílton Santos dos Últimos Dias, patrocinado, evidentemente, por alguma igreja evangélica. Os de Salvador hão de chamar Barra Vinho Dão e Fonte Novalgina. O do Guarani vai ser Brinco Vivara da Princesa. O de Florianópolis vai passar de Ressacada para Engov.


Mas não me mexam no São Januário”.


O comentário preocupado do Leo Cunha, escritor de lindos livros infantis, foi preciso: “Vai dando ideia...”.


Não me surpreenderia se os marqueteiros de plantão se propusessem a tais heresias.


Falando em heresia, me indignou e nos deixou perplexos a depredação da programação da TV Minas e Rádio Inconfidência, as quais foram invadidas por uma política conservadora e retrógrada do governo do estado. Enquanto isso, somente os ipês explodem em cores e preenchem nossos belos horizontes, hoje amorfos e cinzas.