Vou ao Rio de Janeiro desde os meus primeiros anos de vida. Em coluna anterior, Sr. Di, relatei as minhas noites maldormidas na casa de minha madrinha, devido ao ploc-tiploc do tamanco das mulatas que frequentavam a casa do Sr. Di Cavalcanti, vizinho de cima dela na Rua do Catete.
Ainda pré-adolescente, década de 1970, passei longos períodos de férias na Rua Siqueira Campos, em Copacabana, no apartamento da Tia Manoelita, que meu irmão alugava para trabalhar no Ministério da Fazenda. Batia pelada de manhã e à tarde com uma galera na praia, que já me conhecia pelo nome: Mineirinho. O meu sotaque de moleque de Ibiá me denunciava, por mais que eu tentasse encher a boca de chocalho de cascavel para falar. Era ridículo.
Aprendi a pegar jacaré e levar caldo com dignidade nas ondas violentas de Copacabana. Às vezes, o calção ia parar no dedão do pé e a bunda branca era exibida sem pudor para o deleite dos observadores. O Rio me desafiava, mas não me assustava.
Nos anos 1980, já casado, tivemos apartamento na Praça General Osório, em Ipanema e em Humaitá, próximo à Lagoa Rodrigues de Freitas. Minha ex-esposa trabalhava no Rio e eu em BH e no mundo. Conheci um pouco do espírito carioca quando atravessei pela primeira vez o sambódromo pela Grande Rio. Foram anos de glamour e fantasia que, como toda fantasia, acabam confrontando a realidade. O Rio foi catedrático nesse aspecto.
Foi no INCA, Instituto Nacional do Câncer, que fiz o meu primeiro curso de Controle de Infecções Hospitalares pelo Ministério da Saúde, ainda na década de 1980. O trágico destino do Presidente Tancredo Neves mudou também minha vida profissional. Os colegas e amigos que fiz nessa época no Rio continuam ainda hoje na ativa, lutando contra o obscurantismo e negacionismo científico.
Nesse último fim de semana, vim ao Rio renovar meu visto para os EUA e também para lançar o meu livro, “O tempo sem tempo”, editado pela Autêntica Editora.
A primeira missão foi cumprida com a indignação de sempre. A cada 5 ou 10 anos, temos que ser lembrados pelos americanos do Norte, que somos do Sul. Para subir ao Olimpo é preciso enfrentar filas, pagar até para estacionar o celular em local seguro, antes de adentrar a casa dos deuses.
A Aldeia Global de Mcluhan está presente em tudo no Rio. Gente do mundo inteiro interagindo ativamente, por meio eletrônico ou ao vivo, com o porteiro do hotel, com a profissional do sexo e até com o alugador de cadeira de praia. O “Globaritarismo”, termo descrito por Milton Santos, geógrafo e escritor brasileiro, denuncia a ilusão da globalização em seu livro “ Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência universal”.
Em sua outra obra, “O país distorcido”, Milton descreve: “Daí a ilusão de vivermos num mundo sem fronteiras, uma aldeia global. Na realidade, as relações chamadas globais são reservadas a um pequeno número de agentes, os grandes bancos e empresas transnacionais, alguns Estados, as grandes organizações internacionais.
Infelizmente, o estágio atual da globalização está produzindo ainda mais desigualdades. E, ao contrário do que se esperava, crescem o desemprego, a pobreza, a fome, a insegurança do cotidiano, num mundo que se fragmenta e onde se ampliam as fraturas sociais".
O Rio que percebo hoje não fica de frente para o mar e de costa para o Brasil, como diz a música do Milton Nascimento. O Rio é o Brasil com todas as suas contradições: lindo, rico, divertido, explorado, violentado, violento, injusto, acolhedor e repleto de mistérios, os quais o meu olhar mineiro e desconfiado tenta, ao longo de uma vida, desvendar.
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O Rio é um borbulhante confronto entre Flamengo e Vasco, ao qual assisti pela primeira vez no Maracanã. Paixão carioca é diferente. Não sei explicar, mas é diferente. Rio e seus mistérios.