Adoro pets! Sempre tive algum ao longo de minha existência. Coelho, cães, acompanhados por peixes, passarinhos, tartarugas e até uma iguana fizeram parte da minha vida em diferentes momentos.


Apoio incondicionalmente minha amiga Adriana Araújo em sua brava luta diária em defesa dos animais, da nossa Serra do Curral e das nossas águas - particularmente sua batalha contra a comercialização de animais em péssimas condições no Mercado Central.

 

Rio: esse lindo mistério

 


Entendo que ao longo de décadas já dei meu quinhão para o crescimento do poderoso Complexo Industrial Médico-Veterinário, cujo apetite é insaciável.


O Brasil é o terceiro maior país do mundo quando o assunto é a população pet. Somos ultrapassados apenas pela China e pelos Estados Unidos. São atualmente quase 160 milhões de animais de estimação no país, de acordo com dados de 2022. Os cães lideram o ranking, com 60 milhões. O mercado pet brasileiro faturou R$ 68,7 bilhões em 2023, aumento de 14% em relação a 2022.

 

O X da questão


Esse mercado cresce na mesma proporção do vazio existencial do homem e de sua incapacidade de suportar a solidão. Pets dão sentido à vida de milhares de seres humanos. São terapêuticos, sem dúvida. Também é certo que tiram outros milhares do divã de psiquiatras. Como uma “muleta emocional”, os pets passaram a ser a companhia e o terapeuta de muita gente.


A pressão social para se ter pets em casa, se compara apenas àquela para se ter filhos: “Há quantos anos vocês estão casados?! Ainda não tem filhos?! Meu Deus, que tristeza! Vou te dar um cachorro!”.

 




Pets progressivamente ganharam espaço na cena urbana. Ser um espaço “pet friendly” virou moda. É cachorro no shopping, no supermercado, nos restaurantes e até nos hospitais. Entretanto, cresce também o número de animais abandonados e a incidência de leishmaniose, esporotricose e até morcegos contaminados com vírus da raiva em ambiente urbano. Tudo isso perfeitamente tolerado, em nome do capitalismo canino, literalmente selvagem.


Ao longo de toda a minha carreira, vivi situações extremamente desafiadoras enquanto infectologista e controlador de infecções hospitalares. Surtos, epidemias e casos complexos sempre fizeram parte do meu dia a dia. Porém, ultimamente, tenho me deparado com solicitações inusitadas.


Recentemente, recebi a solicitação de que um paciente queria ser visitado por sua calopsita. Outra queria dormir com seu gato no hospital. Estava acostumado com o bichano enroscado nos pés. Tem um cachorro em BH que virou o popstar dos hospitais. Dócil, elegante e familiarizado com o ambiente - não demora muito ganha CRM. Recebi a solicitação para que ele visitasse os pacientes imunossuprimidos do setor de hematologia. Para tal, todos os pacientes deveriam estar com máscara, capote e luva. Sob protesto geral, tive que barrá-lo. Quase saio eu do hospital e fica o cão no meu lugar.


Isso aconteceu de fato comigo no voo da Gol (G3-1988), do Rio para BH na última terça. Ao embarcar, fui informado que meu assento especial, previamente marcado e pago, havia sido trocado.


- Por questões operacionais, o senhor foi trocado da 3A para 3C. Pequena mudança da janela para o corredor. O senhor se importa?!

- A princípio, não. Mas qual o motivo? A cadeira está quebrada? Vai me ejetar do avião?!

- Não, senhor! Tem uma passageira viajando com um seu cachorrinho e ele não pode ficar no corredor. Tem que ir na janela.

- Como assim? O cão tem preferência? Eu tenho mais de 60 anos, cartão Smiles Prata, paguei uma fortuna pela passagem e pelo assento especial e o cão tem preferência pela janela?

- Sim, senhor! Cães têm que viajar na janela.

- E humanos no corredor?

- Sim, senhor. Infelizmente, o voo está lotado, não temos como mudá-lo de assento. Se o senhor não se importar, podemos tentar um voo mais tarde.


Como a fila atrás de mim estava grande e era totalmente “pró-cão”, embarquei contrariado pra não atrasar o voo.


Ao embarcar, encontrei na 3B uma senhora octogenária, a qual aguardava sua filha e a “netinha” canina, que logo em seguida tomou meu “ex-assento”. Mais problema à vista: a gaiola do cachorro não encaixou debaixo da poltrona da frente. Pensei comigo: só falta me colocarem para viajar na asa para dar lugar ao cachorro e sua gaiola.


Não deu outra. A aeromoça e a fiscal de segurança logo vieram e deram bomba na posição da gaiola.


- Senhora, a gaiola tem que ficar debaixo da poltrona da frente.

- Mas não cabe! Na outra companhia cabia, mas aqui não entra. Colocar a concorrente na conversa engrossa o caldo. Não há cão que resista.

- Senhora, nessa posição, caso tenhamos uma turbulência, a cachorrinha vai voar pela cabine.


Pronto, só me faltava essa, sair catando cachorro em turbulência. A mulher que me fuzilou com os olhos no embarque, já não se aguentava e soltou o verbo.


- Meu senhor, para de encrencar com o cachorro! Deixa o bicho viajar em paz!

- Me desculpe, senhora! Não sou eu, é a Gol. O bicho não cabe debaixo do banco. Eu já fiz minha parte! Cedi minha janela.


O impasse já durava meia hora. O cachorro não descia e o voo não decolava. Foi quando tiveram a brilhante ideia de colocar a gaiola, com o cão dentro, presa com o cinto de segurança. Acharam um lugar vago na última fileira e levaram o bicho com as donas para lá e trouxeram um casal de senhoras para o meu lado.


Nesse intervalo, eu já havia me alojado na janela, minha poltrona original. Mas logo fui novamente removido para a 3C.


- O lugar do senhor agora é o 3C e não o 3A. Por favor, permaneça no seu assento - sentenciou a aeromoça. Nem discuti!


As duas senhoras logo ofereceram uma troca que também não me agradou:

- Se o senhor quiser, pode ficar no meio, entre ela e eu.

- Não, obrigado. Fico no corredor mesmo.


Somente ao “rosnar” esse texto, meu “cão interior” ficou em paz e parou de chupar manga. Mais uma vez, a frase de Santo Agostinho me veio à cabeça: “A Terra é o hospício do universo”. Com certeza!

 

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