Asterix, o lendário personagem em quadrinhos, tinha apenas um medo: que o céu caísse sobre sua cabeça. Gustavo, meu velho amigo, 1,80m de altura, tem medo de barata. Um monte de gente, inclusive eu, tem medo de cobra: razoável. Injustificável mesmo é o medo de vacina e não da doença a qual ela previne. Aí deixa de ser medo e vira ignorância absoluta.


 

O medo é uma emoção primária e natural. Surge em resposta a uma ameaça real ou percebida. Ele é uma reação do organismo que mobiliza tanto aspectos físicos quanto psicológicos, preparando a pessoa para enfrentar ou evitar o perigo (resposta de "luta ou fuga"). Essa emoção tem a função de autopreservação, sendo fundamental para a sobrevivência, pois ajuda a evitar riscos. No entanto, o medo pode também ser irracional ou desproporcional, levando a comportamentos bizarros, mesmo em situações em que o risco é mínimo ou inexistente.


 

Eduardo Galeano (1940-2015), brilhante escritor, jornalista e pensador uruguaio, autor de "As veias abertas da América Latina" (1971) e "O livro dos abraços" (1989), tem em um dos seus mais famosos textos, "O sistema fabrica medos", uma visão de como os medos são criados e manipulados pelo sistema, moldando a sociedade e a vida das pessoas. 




 

"O medo ameaça: se você ama, terá AIDS. Se fuma, terá câncer. Se respira, terá contaminação. Se bebe, terá acidentes. Se come, terá colesterol alto. Se fala, terá desemprego. Se caminha, terá violência. Se pensa, terá angústia. Se duvida, terá loucura. Se sente, terá solidão."


Nesse texto, ele reflete como o sistema utiliza o medo como ferramenta de controle social, alimentando uma constante sensação de insegurança que permeia a vida cotidiana. Galeano questiona, de forma poética e incisiva, a construção desses medos, mostrando que, ao serem manipulados, eles se tornam uma forma de dominação.


Transpondo para os dias atuais, ao examinarmos a plataforma política da maioria dos candidatos a vereador e prefeito no país, observamos um ponto comum: investimentos em saúde, educação e segurança pública. A princípio, nobres intenções no sentido de prover a população daquilo que lhe falta. Expressam de forma real o medo da população de adoecer e não ter assistência. O medo de não ter como matricular os filhos em escolas e prover-lhes educação. Por fim, o medo de se tornar mais uma vítima da violência nossa de cada dia. Dessa forma, a insegurança acaba se tornando um cabo eleitoral dos mais eficazes que se pode ter.

As soluções propostas pela enorme maioria dos candidatos são superficiais, equivocadas e até mesmo ingênuas. Os discursos, apesar da eloquência, são frequentemente desvinculados de qualquer análise sociológica e de viabilidade prática.


Os telejornais e programas policiais que expõem a violência e a criminalidade, por sua vez, crescem de forma exponencial em audiência, sendo uma mola propulsora do medo coletivo. O medo acabou por se tornar um produto a ser vendido à população de forma intencional. Uma commodity negativa eficaz para angariar votos, vender armas e manter uma determinada estrutura de poder. Nesse sentido, podemos entender facilmente como o temor a Deus construiu impérios ao longo da história e ainda nos dias de hoje, faz fortunas e elege políticos.


A violência urbana no Brasil tem de fato números alarmantes, apesar de uma leve queda nos últimos anos. Em 2023, foram registradas cerca de 46.300 mortes violentas intencionais, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso inclui homicídios, latrocínios e mortes decorrentes de intervenções policiais. Embora tenha havido uma redução de 3,4% em comparação com 2022, o Brasil ainda apresenta uma taxa extremamente alta de homicídios, especialmente em comparação com outros países em tempos de paz.


Em contraste, o atual conflito entre Israel e Hamas, desde outubro de 2023, já resultou em cerca de 40 mil mortes, principalmente de civis palestinos, de acordo com fontes locais e internacionais. Ao comparar os dois contextos, a violência urbana no Brasil, mesmo em tempos de paz, gera um número de vítimas que rivaliza ou supera os números de conflitos bélicos. Trata-se, portanto, de problema real a ser encarado de frente e sem medo.


Nesse sentido, me chamou atenção, há alguns dias, uma notícia na qual o dono de um bar tradicional do Bairro Padre Eustáquio, de BH, após ser roubado inúmeras vezes, resolveu adotar uma estratégia preventiva inusitada. Ao perceber que os ladrões invadiam seu estabelecimento escalando um poste que ficava em frente, cansado de esperar por uma solução oficial, resolveu passar graxa no poste, ao velho estilo “pau- de sebo”. Desde então, os roubos não mais ocorreram.


Em conclusão, apesar de termos pela frente desafios gigantescos, com criatividade e responsabilidade social podemos superar o medo e encarar nosso destino de frente. No próximo final de semana, que o voto consciente de cada um, seja uma trilha segura e corajosa contra o medo nosso de cada dia.

 

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