O anúncio ecoou como um trovão em um céu já carregado de nuvens do tipo cúmulo-nimbo. O Trampalhão nomeou Robert F. Kennedy Jr. para liderar a Saúde e Serviços Humanos dos EUA, o equivalente ao Ministério da Saúde de lá. Para os colegas americanos e do mundo inteiro que dedicam a vida à ciência, saúde pública e medicina, essa indicação ressoou como um grito de alerta. Um caminho antes pavimentado por décadas de conquistas, subitamente pareceu se dissolver sob os pés, como areia lavada pela maré. 


RFK Jr., como é conhecido, é sobrinho do ex-presidente assassinado JFK (John F.Kennedy) e filho do senador Robert F. Kennedy, que também foi assassinado. Sua popularidade, entretanto, se deve mais à sua polêmica posição antivacinas e ao fato de ter propagado várias teorias da conspiração.


Nos olhos de muitos de nós, cientistas, médicos e comunicadores, esse momento trouxe um misto de sentimentos: retrocesso, tristeza, exaustão e uma incredulidade que pesa como chumbo. Por anos, lutamos para construir pontes de entendimento, desmistificar inverdades, guiar o público por um terreno árido de desinformação. Agora, essas pontes podem ser dinamitadas por mãos que preferem alimentar a confusão a oferecer clareza.


Como explicar, em palavras simples, o absurdo de colocar nas mãos de alguém com um histórico tão vasto de desinformação a responsabilidade pela saúde pública de uma das maiores potências do mundo? Mentiras como vacinas causam autismo, wi-fi provoca câncer, ou que antidepressivos são os verdadeiros vilões por trás de tragédias humanas. Essas histórias falsas, que espalham medo e causam danos reais, agora ganham palco planetário.


O negacionista convicto ameaça princípios sólidos de instituições de enorme respeitabilidade com FDA, CDC e NIH, as quais balizam decisões da nossa Anvisa e similares do mundo inteiro. 

 

Nesse terreno hostil e nebuloso, senti o peso da responsabilidade e da exaustão psíquica. Decidi buscar refúgio. Saí para pedalar e subir as montanhas das Gerais. Do alto da Serra do Curral, ou o que sobrou dela, me perdi no horizonte, onde o sol parecia pintar o céu com tons de ouro e púrpura. Ali, diante do espetáculo eterno do pôr do sol, lembrei-me do que é essencial: há coisas que permanecem, mesmo quando tudo parece ruir.


No retorno para casa, passei pela praça da Savassi e subitamente dei de cara com a estátua do Roberto Drummond. Amigo antigo, cronista desse mesmo jornal, com o qual colaborei no seu último livro - O Cheiro de Deus -, onde ele aborda a Belo Horizonte, cidade sanatório. Aquela peça, tão silenciosa e introspectiva parada no meio da praça, parecia carregar o peso do momento: a exaustão de quem luta contra o impossível, o desgaste de quem batalha por um sistema que, muitas vezes, não funciona como deveria.


Resgatei ali, naquele instante, a essência do que é resistir. Não se trata apenas de lutar contra o vento, que todo ciclista conhece bem, mas de encontrar um porto seguro dentro de si mesmo, um lugar de força e convicção. Enquanto as rajadas de vento batiam no meu corpo, percebi que nossa missão nunca foi fácil. Sempre pedalamos em terrenos incertos e perigosos, mas subidas e vento contra nunca nos impediram de seguir adiante. 


Sim, há exaustão. Sim, há preocupação com o que a posse de um negacionista possa refletir em nossa combalida saúde pública no Brasil. Mas, assim como o pôr do sol dá lugar ao nascer do dia, nós também encontraremos maneiras de transformar esse momento de escuridão. Não desistiremos. Continuaremos pedalando, dia após dia, dispostos a enfrentar terrenos áridos. 


Ao final desse pedal, “endorfinado” pelo esforço, o otimismo voltou. Não um otimismo ingênuo, mas aquele que nasce da certeza de que há mais bondade, mais vontade de aprender e mais desejo de verdade do que o ruído das mentiras. 


Talvez, no final, o segredo seja lembrar que somos como o vento: constantes, resilientes e sempre movendo moinhos, não importa a calmaria. O mundo pode ser imprevisível, mas o que nos move é eterno: o compromisso com o que é certo, a busca pela verdade, e a esperança de que, juntos, podemos criar um futuro mais iluminado.


Naquele pôr do sol, lembrei de Mário Quintana: “Eles passarão, eu passarinho”. Afinal, ainda estamos aqui. E não vamos a lugar algum. Avante, como sempre diz o querido Lucas Guimarães.

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