Já são muitos. Presentes e mais presentes, mesas fartas e bebida que não acaba mais. Haja chá de boldo para tanta comida requentada! Presépios e árvores enfeitadas com bolas e luzes coloridas, pessoas festivas de coração quente e sorriso pronto para ser estampado no rosto. Patrões benevolentes, Justiça flexibilizando penas, chefes e subordinados trocando presentes e celebrando a colheita e o lucro unilateral na churrascaria da esquina. Dá-lhe mais comida requentada, diarreia e chá de boldo!
O Natal anuncia o princípio e o fim de um caminho que precisa seguir adiante. O que passou, passou. Virou poeira. A mesma que eu via da carroceria da velha caminhonete do meu pai e que ficava para trás, se acomodando de forma diferente sobre os arbustos à beira da estrada.
Contraditoriamente, celebra o dia do aniversário de alguém que nasceu há cerca de 2025 anos. É tanta ida a shopping center, correria e “amigos incultos”, que quase esquecemos de convidar o dono da festa para o próprio aniversário.
Ele mal nasce e começamos a nos preparar para a sua morte, que acontecerá na Semana Santa. Logo ali, nos feriados de abril. Tem gente que só se lembra dos feriados e ignoram o motivo de sua existência.
O mundo líquido e rápido de Zygmunt Bauman apaga a poeira dos símbolos, distorce seu significado e nos torna reféns de uma pós-verdade e suas contradições. "Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá luz e vida.” Essas palavras de Jesus, contidas no Evangelho de João (capítulo 8, versículo 12), desempenharam um papel crucial quando as autoridades do Império Romano e os primeiros burocratas da Igreja procuraram esclarecer um dos enigmas da Bíblia: quando nasceu o fundador do Cristianismo?
O cálculo do ano de nascimento de Jesus foi feito com base em referências históricas, mas é reconhecido que a data exata é incerta. A escolha do dia 25 de dezembro para celebrar o Natal não se baseia em evidências bíblicas, mas foi adotada pela Igreja Católica no século 4, para coincidir com a festa pagã do Sol Invicto, na qual os romanos comemoravam o solstício de inverno. Ou seja, foi uma conveniente costura política da Igreja para cristianizar festividades populares e fortalecer a fé cristã entre os convertidos. Além disso, a escolha reflete simbolicamente, a ideia de Jesus como a “luz do mundo”, contrastando com a escuridão do inverno do Hemisfério Norte.
A primeira menção formal ao Natal nessa data é atribuída ao Papa Júlio I, certamente um dos maiores CEOs da Igreja Católica, o qual contou com o apoio político do Imperador Teodósio, responsável pela declaração do Cristianismo como a religião oficial do império romano, em 392 d.C. Com isso, surgiu entre as autoridades civis e eclesiásticas o desejo de esclarecer algumas dúvidas não resolvidas nos evangelhos, a fim de facilitar a adoção da nova fé pelos romanos. Por motivos litúrgicos e festivos, era fundamental definir uma data para o nascimento de Cristo.
Afinal de contas, se não tem liturgia, não tem show do Roberto Carlos no final de ano e nem um novo dia, absolutamente igual a todos a serem vividos e comemorados, quer queiramos ou não.
Os rituais romanos da Festa do Nascimento do Sol Invicto, “Nativitas Solis Invicti”, incluíam banquetes, troca de presentes, decoração das casas com velas e guirlandas. Durante as comemorações, eram frequentes os excessos no consumo de bebidas alcoólicas e nas relações sexuais, por isso havia a impressão de que eram uma mistura entre o que hoje conhecemos como Natal e carnaval. Durante as festividades do Sol Invicto, era marcante a inversão social temporária, quando escravos podiam ter mais destaque e intimidade com seus senhores. Entenda-se aqui, todo tipo de intimidade. Ou seja, as coisas são como são, não por acaso.
Diversas festas romanas (pagãs) foram incorporadas ao calendário cristão no sentido de integrar práticas culturais locais ao Cristianismo, facilitando a conversão dos povos conquistados. A Páscoa celebrada na primavera do Hemisfério Norte, era originalmente ligada a festivais de fertilidade e renovação da vida. Foi dessa cartola que saiu o coelho.
Festas juninas são derivadas de rituais pagãos de fertilidade e do solstício de verão, associados a santos como Santo Antônio e São João. O Dia dos Mortos incorporou elementos de celebrações indígenas e pagãs em homenagem aos falecidos. O carnaval tem origem nas festividades pagãs como bacanais (homenagem a Baco) e saturnália (homenagem a Saturno), celebrando a chegada da primavera antes da Quaresma. Com certeza, os bicheiros cariocas já dominavam as esquinas de Roma nessa época.
Neste Natal de 2024, Jesus Cristo estaria completando cerca de 2028 anos, considerando que seu nascimento é estimado pelos pesquisadores entre 6 e 4 a.C. Qual é a importância desse ajuste histórico em nossas vidas? Francamente, nenhum. A diferença fica no intervalo de confiança da variabilidade histórica induzida pela distância temporal e falta de registros epidemiológicos confiáveis de nascimento e morte da época. Jon Snow só entraria em cena bem mais tarde, no século 19.
Os mais farristas e o comércio podem até reclamar que está faltando farra e caixa na contabilidade dos natais, mas reclamar com quem?! Com Deus?! Para não perderem tempo nem dinheiro, sugiro fazerem antes uma consultoria filosófica com um tal de Friedrich Nietzsche. O cara entende do assunto.
Não importa a opinião de quem quer que seja, esperemos o Papai Noel, comemoremos o Natal e façamos a festa do Sol Invicto. O importante é ter fé que na hora do naufrágio uma mão lhe resgatará. Mas não se esqueçam do chá de boldo e de descartar o resto da comida que certamente irá azedar na geladeira.