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Carlos Starling
Carlos Starling
SAÚDE EM EVIDÊNCIA

Graças a Deus, 2025 engrenou

Como disse Fernando Pessoa, "o essencial é viver". E viver, no meio do caos digital e do tempo que voa, é uma arte

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Daqui de casa percebo as montanhas calmas. Entra ano, sai ano, por mais que as destruam, estão lá, sempre lindas. Sobrepondo-se umas às outras, escondem com pudor suas entranhas, onde tanta gente se refugia, tentando amar em paz. Um mar de montanhas que um dia foi fundo de oceano. Já foram o lar de peixes buscando serenidade para viver. Hoje somos nós.

 

 


As montanhas carregam a sabedoria do tempo, mas não revelam seus segredos. Carlos Drummond de Andrade, contemplando suas montanhas Itabiranas, talvez encontrasse nestas o mesmo sentimento de permanência. Em seus versos, ele disse que "o tempo é a matéria de que somos feitos", e as montanhas são o testemunho eterno dessa matéria, indiferentes à nossa brevidade planetária.

 

 


É preciso revirar suas pedras mais íntimas para descobrirmos desde quando fazem parte da paisagem. Contar os anos é coisa humana de mau gosto. Como escreveu Fernando Pessoa, “o tempo é um rio que me leva”, e as montanhas, imóveis, observam enquanto nos deixamos levar.


Uma semana depois do Réveillon, 2025 finalmente engrenou e já está ficando velho. Entrou em voo de cruzeiro. Ainda bem! Natal e réveillon nos cansam. Aliás, os finais de ano são muito cansativos. Depois do WhatsApp e outras quinquilharias eletrônicas, virou um verdadeiro inferno. É tanta mensagem para enviar e receber, que o dedo indicador caleja de tanto bater na telinha do celular, ou no teclado do computador. O nariz sai de férias. Abandonamos por um curto período, os Staphylococcus, que hibernam em paz nas fossas nasais humanas, que nessas épocas se ocupam e preocupam em ser educados.

 


Responder e enviar mensagens de Natal e Ano Novo é tarefa dura nos finais e princípios de cada ano. Antes eram os cartões-postais. Chegavam aos montes em nossas casas. Coloridos, sonoros, traziam quase sempre uma assinatura e a personalidade de um selo colado à saliva da língua do remetente. O correio e os carteiros trabalhavam dobrado. Os cachorros, amigos dos carteiros, se divertiram como nunca. Tenho saudade deles entregando cartas que esperávamos por meses. “A vida ia devagar”.


Em Ibiá, uma moça que namorava à distância por cartas apaixonou-se pelo carteiro, e foram felizes para sempre. Vinícius de Moraes talvez escrevesse um soneto para celebrar esse amor improvável. Afinal, ele sabia bem : “que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”.


Hoje, esses seres históricos entregam boletos bancários e compras feitas online. Sapatos escolhidos por fotos e jamais experimentados. Quase nunca, uma carta de amor. Com os meios eletrônicos, turbinamos a comunicação, mas erradicamos os carteiros e, ao mesmo tempo, nos esquecemos de seus empregos e da alegria dos cachorros. Com um clique, extinguimos a felicidade de ambos. Com sites de relacionamento, soterramos o romantismo e catapultamos as doenças sexualmente transmissíveis. A sífilis que o diga!


A eliminação de uns virou o pesadelo de todos: enviar e receber mensagens eletrônicas nos finais de ano. São tantas que congestionam o universo paralelo digital. Ferreira Gullar, que via poesia no impossível, talvez encontrasse lirismo nesse caos. Mas também lamentaria a perda do toque humano, do calor de um papel escrito à mão. O mesmo Gullar que escreveu que “é preciso transformar o mundo para que ele não nos destrua”.


O dia 25 de dezembro e o primeiro de janeiro criaram ruas fantasmas. Todos em casa, lendo, enviando mensagens, comendo comida requentada e curando ressaca com chá de boldo. Trabalho árduo e repetitivo em dias de limpar gavetas.


Carlos Drummond, Ferreira Gullar, Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes e outros poetas vivos ou mortos são ressuscitados e trabalham como nunca nessas épocas. Tornam-se “pop stars” em mensagens que se repetem aos milhares, ano após ano. Se ganhassem direitos autorais, não precisariam nem da Mega da Virada. Mas, certamente, não gostariam de ver suas obras misturadas com algumas trilhas sonoras. Drummond chegou a declarar à jornalista Glória Maria, em entrevista fortuita nas ruas do Rio, que achava o Papai Noel chato. A desigualdade social o incomodava. Imagino o que diria nos dias de hoje.


Memes mil! Cartões animados, para mim, são os piores. Textos longos eu pulo. Todos pulam! Se decidíssemos ver todos, nem Cristo e nem todos os santos juntos aguentariam. Com o olhar fixo na telinha do celular, o dia 25 de dezembro e o primeiro dia do ano passam voando. Os obsessivos sofrem nessas épocas, respondendo uma a uma, cada mensagem recebida.


Sobrevivemos aos finais de ano e damos graças que 2025, após a primeira semana, já engrenou uma terceira e segue firme nas curvas do tempo. Desejar feliz ano novo depois de uma semana é gafe da brava! Portanto, não o faça! Deixe para o próximo ano e seja econômico.


Faça como as montanhas, finja que o tempo não passa. Que você simplesmente dorme num ano e acorda no outro. Lava o rosto, escova os dentes, penteia o cabelo e segue caminhando pela vida. Vida que nunca para, exceto para dizer bom dia, boa noite e até sempre.


Como disse Fernando Pessoa, “o essencial é viver”. E viver, no meio do caos digital e do tempo que voa, é uma arte. É um poema que cada um escreve, mesmo que não perceba, nos 365 dias, 6 horas e 9 minutos, que a terra completa seu ballet em torno do sol.


Talvez, como Ferreira Gullar também disse em seu “Poema Sujo”, a poesia resida no meio da desordem, entre mensagens, montanhas e memórias. Talvez seja lá, na simplicidade da rotina, que encontramos a beleza do que somos e a esperança do que ainda podemos ser. Vida que segue, tal como as montanhas, silenciosa e forte, enquanto o tempo nos atravessa.

 

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