x
Carlos Starling
Carlos Starling
5 ANOS APÓS PANDEMIA

Ao esquecermos da COVID, estamos condenados a repetir os erros do passado

A história da COVID-19 ainda não está completamente escrita. O que começou como uma emergência global de saúde transformou-se em um teste de resistência

Publicidade

Mais lidas

 Cinco anos após a pandemia de COVID-19 ter mudado o curso da humanidade, o mundo parece ansioso por enterrar o passado. Os números assombrosos — mais de 20 milhões de mortes, um custo de 16 trilhões de dólares, 1,6 bilhão de crianças afastadas da escola e 130 milhões de pessoas lançadas à pobreza — parecem, hoje, apenas dados esquecidos em relatórios estéreis. Embora o vírus ainda persista, com milhares de mortes semanais, a pandemia deixou de ser pauta central. A urgência foi substituída pelo silêncio.

 

 

Em recente conferência internacional realizada em outubro de 2024, em Pequim, sob os auspícios da Cold Spring Harbor Asia, pesquisadores e autoridades de saúde da OMS e de 17 países se reuniram para debater o que ainda precisa ser compreendido sobre a COVID-19. Entre os tópicos discutidos estavam as origens do vírus, seus padrões de mutação e as novas abordagens de tratamento e vacinação. Apesar de todos os esforços, o mundo parece querer seguir em frente sem aprender verdadeiramente com o passado.


A pandemia, que havia unido cientistas de todo o mundo em um esforço frenético de pesquisa e inovação, deixou marcas profundas. Entretanto, muitos países passaram a encarar com hostilidade as investigações sobre prevenção de futuras pandemias. Há uma crescente desconfiança em torno da ciência, impulsionada por teorias não comprovadas sobre a origem do vírus. E assim, enquanto o mundo tenta avançar, a ciência enfrenta novos obstáculos, desta vez não impostos por um vírus, mas pela própria sociedade.


No centro das discussões, uma questão inquietante: como podemos nos preparar para futuras ameaças quando ainda há tanto a ser compreendido sobre a própria COVID-19? O vírus mostrou uma velocidade de evolução sem precedentes, trazendo desafios constantes para a eficácia de vacinas e tratamentos. As soluções encontradas até agora são temporárias, exigindo novos avanços tecnológicos e estratégias mais criativas para acompanhar a rápida mutação do patógeno.


Houve avanços notáveis, como o desenvolvimento de um spray nasal capaz de prevenir infecções com alta eficácia, e esforços para prever a evolução do vírus usando inteligência artificial. Contudo, as incertezas permanecem. As vacinas de hoje podem não funcionar amanhã, e a ciência ainda luta para compreender por que algumas pessoas desenvolvem sintomas persistentes após a infecção, conhecidos como COVID longa.


Recentemente, o estudo Epicovid 2.0, coordenado pelo brilhante colega gaúcho Pedro Hallal, revelou que 18,9% das pessoas que contraíram COVID-19 no Brasil relataram sintomas persistentes, como ansiedade, cansaço, dificuldade de concentração e perda de memória. Além disso, 48,6% dos entrevistados relataram redução na renda devido à pandemia, resultando em insegurança alimentar para 47,4%. Cerca de 34,9% perderam o emprego e 21,5% interromperam os estudos durante esse período.


A pandemia também escancarou desigualdades sociais e raciais no Brasil. Estudos indicam que a mortalidade por COVID-19 foi significativamente maior entre populações negras e indígenas. Em regiões com maior proporção de indivíduos pretos, pardos e indígenas, as taxas de mortalidade foram superiores, evidenciando a vulnerabilidade desses grupos.Fatores socioambientais e o racismo estrutural contribuíram para essa disparidade, refletindo a perpetuação de iniquidades históricas no país.


Além disso, a pandemia afetou de forma desigual as classes sociais. Pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica enfrentaram maiores riscos de exposição ao vírus, menor acesso a cuidados de saúde de qualidade e condições de vida que dificultavam o isolamento social. A combinação desses fatores resultou em taxas de infecção e mortalidade mais altas entre os mais pobres, aprofundando ainda mais as desigualdades existentes.


Paralelamente, novos projetos buscam desenvolver vacinas que possam proteger contra uma ampla gama de coronavírus, incluindo aqueles que ainda não atingiram os humanos, mas que apresentam alto potencial pandêmico. No entanto, a politização do debate científico dificulta o progresso, tornando ainda mais desafiador o trabalho dos pesquisadores, particularmente a partir de 20 de janeiro de 2025, quando o negacionismo retorna à cadeira mais poderosa do planeta. Presente de grego esse que ganharei de aniversário.


A história da COVID-19 ainda não está completamente escrita. O que começou como uma emergência global de saúde transformou-se em um teste de resistência para a humanidade. Um teste de memória, de empatia e de humildade diante do desconhecido. No entanto, em vez de aprender com as cicatrizes deixadas pela pandemia, o mundo parece cada vez mais propenso a esquecê-las. Talvez seja o cansaço, talvez seja o medo de enfrentar novamente a fragilidade de nossa existência.


A ironia é que a COVID longa gera esquecimento. Ao esquecermos, estamos condenados a repetir o erro de optarmos pela ilusão de que, sem pensar sobre o passado, ele não pode nos assombrar no futuro. Mas a verdade é outra, ele nos assombrará, com ou sem memória. Porque, ao fim de tudo, o que esquecemos não desaparece, apenas espera pacientemente para nos lembrar que aprender nunca foi opcional. E se insistirmos em esquecer, talvez a próxima pandemia nos encontre tão despreparados quanto estávamos no início de 2020.


O óbvio fica escondido nas sutilezas dos símbolos e nas entranhas do tempo. Nietzsche já advertia que “as pessoas preferem crer em uma mentira reconfortante a encarar uma verdade incômoda”. Não é que não vejamos o óbvio. Muitas vezes, preferimos ignorá-lo, pois enfrentá-lo exigiria mudar nossas confortáveis rotinas. Os homens se acostumam com as guerras e tragédias, depois, não sabem sair delas, muito menos preveni-las.

Tópicos relacionados:

covid-19 mortes virus

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay