Não se sabe com precisão a origem dessa iguaria. Mas o poder simbólico e identitário dessa iguaria em Minas Gerais é inegável -  (crédito: Yago Lima/Divulgação)

Não se sabe com precisão a origem dessa iguaria. Mas o poder simbólico e identitário dessa iguaria em Minas Gerais é inegável

crédito: Yago Lima/Divulgação

 

No último sábado, 17 de agosto, celebramos o Dia Nacional do Pão de Queijo. Nesta data, muitas pessoas se perguntam: qual é a origem desse alimento? Aliás, essa é uma das perguntas que mais recebo como historiadora da alimentação. Qual é a origem do feijão-tropeiro e de tantas outras comidas que expressam com tanta força nossa identidade cultural? Refletir sobre a origem dos alimentos é uma prática comum e revela muito sobre os interesses humanos. Alguns pesquisadores chegam a dizer que é uma obsessão coletiva.

 


No entanto, a origem é assunto caro aos historiadores, já que guarda um perigo à compreensão: confundir a filiação com uma explicação que seja suficiente. No senso comum, a origem pode parecer suficiente para explicar uma prática alimentar, mas essa é uma visão limitada da realidade.


Há um consenso contemporâneo na historiografia de que um ponto de partida não basta para explicar a complexidade das expressões culturais e históricas de um evento ou alimento. Marc Bloch, um dos historiadores mais importantes do início do século 20, desafiou a ideia de uma busca incessante pelas origens como ponto de partida. Massimo Montanari, historiador da alimentação, reforça essa ideia ao afirmar que a identidade de um alimento se consolida ao longo de seu percurso, não em seu início.

 


Assim, para entender se uma comida é importante e significativa para uma população, não basta olhar apenas para sua origem. Um exemplo claro é o tomate, símbolo da cozinha italiana, mas que é nativo das Américas e só começou a ser incorporado na dieta europeia no século 18.


Para entendermos a história do pão de queijo, podemos recorrer a livros e cadernos de receitas que têm se apresentado como fontes importantes para o trabalho do historiador. O pão de queijo, e o queijo, são considerados expressões significativas da cozinha mineira. Mas, ao olharmos para nossos documentos, muitos podem se surpreender com a pequena aparição do pão de queijo em receituários, em especial a partir do século 19 ou 20.

 


Maria Stella Libânio Christo sugere que essa quitanda aparece nas regiões de criação de gado, onde havia muito leite e queijo para serem aproveitados. Ela considera que o queijo mais envelhecido e duro, assim como as aparas do processo de confecção do queijo, são partes difíceis de se utilizar na sua forma original, e poderiam ser utilizadas para receitas como o pão de queijo.


Sônia Maria de Magalhães e Maria do Carmo Pires evidenciam a pequena aparição da iguaria em uma investigação sobre quitutes e quitandas mineiras nos séculos 19 e 20.


Mônica Chaves Abdala identificou uma considerável ausência do pão de queijo em documentos históricos, o que a fez questionar se ele seria uma recente invenção, uma tradição possivelmente cunhada a partir de memórias e crônicas mais recentes. Naturalistas e viajantes europeus que percorrem a região de Minas Gerais afirmam só ter experimentado a iguaria na capital.

 


O que se pode dizer é que não se sabe com precisão a origem dessa iguaria. Mas o poder simbólico e identitário dessa iguaria em Minas Gerais é inegável. O que se pode reconhecer é que alguns fatores contribuíram para seu sucesso, como a possibilidade de fácil adaptação ao tempo e sintonia às exigências e padrões alimentares contemporâneos. Como Abdala bem coloca, o pão de queijo carrega sentidos profundos de representação na cultura mineira. E, como sabemos, as tradições são multifacetadas e se mantêm vivas enquanto fizerem sentido no presente, não apenas no passado.