Nos últimos anos, os termos gourmet e artesanal entraram no vocabulário cotidiano, especialmente em relação à comida. Esses conceitos dão ideia de sofisticação e naturalidade, respectivamente, embora carreguem uma complexidade histórica nem sempre evidente.


 

A palavra gourmet é encontrada em língua francesa pelo menos desde o século 14, relacionada ao vinho e designando alguém responsável pela escolha e avaliação da bebida. Com o tempo, o conceito se expandiu para incluir quem aprecia a boa comida e sabe reconhecer o refinamento nos alimentos. No século 18, passou a se referir a quem é capaz de reconhecer e valorizar a alta gastronomia. O que antes era um termo específico para vinhos se transformou em uma expressão ligada à ideia de distinção e status social.


A gourmetização, fenômeno que ganhou força no Brasil no início do século 21, trouxe esse refinamento para o cotidiano. Com o uso disseminado do termo, produtos simples foram rebatizados como gourmet, agregando valor simbólico e social. Assim, o termo, que no século 14 estava associado ao manuseio de vinhos, hoje aponta para a sofisticação de alimentos e bebidas. A gourmetização, muitas vezes, é percebida como uma tentativa de transformar o simples em algo extraordinário.




 

Já artesanal remete à ideia de práticas tradicionais e modos de produção que fogem da industrialização. Historicamente, referia-se ao trabalho manual dos artesãos, mas, no contexto alimentar contemporâneo, o termo foi ressignificado. No Brasil, ganhou ainda mais destaque com a criação do selo “Arte”, certificado que regulamenta produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal. Contudo, a aplicação desse conceito nem sempre é clara. O que, de fato, significa um produto ser artesanal? Ele ainda mantém a naturalidade e a pequena escala sugerida pelo termo?


 

Alguns dicionários brasileiros, por exemplo, descrevem o artesanal como algo rústico, feito sem sofisticação. Outros apontam para processos tradicionais, individuais e manuais, em oposição à produção industrial. No entanto, essa definição não capta a essência de muitos produtos que, embora rotulados como artesanais, envolvem processos industriais, como o caso de um chocolate industrializado utilizado para fazer um ovo de Páscoa artesanal. Outro exemplo seria o Queijo Minas Artesanal, que frequentemente inclui coalho produzido de forma industrial. Essa contradição nos leva a questionar o significado do termo no cenário gastronômico atual.


Gourmet e artesanal, embora pareçam opostos – um associado ao refinamento, o outro à tradição –, coexistem no cenário gastronômico atual. Ambos os termos circulam amplamente em matérias jornalísticas, em cardápios e nos nomes de empreendimentos. Mas o que realmente consumimos ao aderir a essas categorias? A gourmetização e a valorização do artesanal refletem, em grande parte, as expectativas culturais e sociais que moldam nossa relação com a comida.

 


Ao examinar a história e os significados desses conceitos, percebemos como eles vão além de simples rótulos. Ambos constroem narrativas que ajudam a definir o que é considerado “bom” para comer. O gourmet nos conduz a uma experiência de sofisticação, enquanto o artesanal nos sugere tradições e modos de produção mais humanos. Mas será que essa distinção sempre condiz com a realidade? Ou, muitas vezes, estamos consumindo mais as ideias que as palavras carregam do que os sabores em si?

 

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Refletir sobre esses termos é, na verdade, refletir sobre o papel que desempenham na construção do gosto. A comida que escolhemos, ao ser rotulada como gourmet ou artesanal, carrega uma história de construção simbólica, onde o sabor é apenas uma parte do que está em jogo.

 

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