O ano era 2014. Enquanto cursava o mestrado em história e cultura da alimentação na Università di Bologna, na Itália, tive a chance de me aproximar do movimento Slow Food de uma maneira inesperada e, ao mesmo tempo, transformadora.
Na busca por um estágio, decidi participar do projeto Educazione del Gusto (Educação do Gosto), lecionando para crianças e jovens em escolas da Emilia-Romanha. A primeira aula ainda está gravada em minha memória. Um grupo de crianças, com cerca de oito anos, sendo apresentadas a duas fatias de pão. O objetivo? Identificar, por características sensoriais, qual era produzido com fermentação natural (pasta madre) e qual utilizava fermentação biológica (lievito di birra).
Para a minha surpresa, as crianças acertaram de imediato. Algo naquele momento me impressionou profundamente. Tão jovens e já capazes de discernir características que muitos adultos nem sequer percebem. De onde vinha essa clareza?
Para responder a questões como essa, é preciso olhar para a história do Slow Food. Esse movimento vem, há décadas, de fato, escrevendo um capítulo importante de nossa história alimentar.
Criado em 1986, inicialmente com o nome de Arcigola, na Itália, esse movimento valoriza o alimento “bom, limpo e justo”. Hoje, com abrangência internacional, essa organização mantém como objetivo promover uma alimentação com prazer, a valorização de seus produtores, assim como uma educação que repense a relação com os alimentos.
A década de 1980, ainda com ideais de contracultura, viu inaugurar, em um dos principais pontos de Roma, uma expressão do fast food: uma franquia McDonald’s. Ocorreram diversas manifestações em oposição a uma possível “americanização” da Itália e contra uma má ocupação do centro histórico.
As críticas culminaram, mais tarde, nessa organização em prol de alimentos tradicionais, defesa do prazer pela alimentação e pela biodiversidade agrícola. Seu fundador, Carlo Petrini, trouxe pautas sobre agricultura que respeitassem e tornassem mais digno o trabalho das pessoas que produzem alimentos.
Dessa forma, o Slow Food se desenvolveu como um movimento em prol de uma relação mais justa dos alimentos com o meio ambiente, nos convocando a pensar por que nos tornamos passivos em relação aos alimentos e reféns de interesses de grandes corporações.
Naquele momento em sala de aula, compreendi a profundidade das ações do Slow Food. Ao valorizar os alimentos tradicionais e a biodiversidade agrícola, é como se estivéssemos sendo convocados a reavaliar a passividade com que encaramos nossa alimentação, muitas vezes reféns de escolhas impostas por grandes corporações.
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A experiência com as crianças da Emilia-Romanha me ensinou que a educação alimentar é uma ferramenta poderosa, não apenas para ensinar o paladar, mas para cultivar uma consciência sobre o que consumimos. Aquelas pequenas fatias de pão e a clareza das respostas infantis me mostraram que a alimentação vai além do gosto – expressa valores, práticas e identidades que carregam o potencial de transformar a forma como habitamos o mundo.