Foi depois de um réveillon que decidi me tornar vegetariana, uma escolha que segui por oito anos. Nesse período, imergi em reflexões sobre ética, cultura e a relação entre humanos e animais. Embora hoje não siga mais como vegetariana, a experiência moldou minha visão sobre a alimentação e deixou marcas indeléveis nas minhas escolhas e pensamentos.
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O vegetarianismo possui raízes que remontam a tempos antigos e pode ser dividido em duas grandes vertentes: religiosa e ética. A mais longeva é a religiosa, presente em tradições como o hinduísmo e o budismo, onde a crença na reencarnação inspira respeito pela vida animal. Em diversas culturas, o vegetarianismo muitas vezes está ligado à ideia de que os animais podem ser corpos transitórios de almas, e consumir carne seria uma violação desse ciclo.
No Ocidente, essa visão encontrou ecos na filosofia pitagórica. Pitágoras e seus seguidores igualavam o consumo de carne a um ato de violência, recusando-se a ingerir o que consideravam cadáveres. Mesmo assim, essa prática não se consolidou na tradição cristã.
A segunda vertente, mais recente, está ligada à ética animal e emergiu no século 19. No século 20, essa abordagem ganhou força com pensadores como J.M. Coetzee, que em “A vida dos animais” confronta o leitor com a crueldade da criação industrial. Coetzee faz comparações incômodas entre matadouros e campos de concentração, questionando a normalização do sofrimento animal.
Essa perspectiva também ampliou o vegetarianismo para além da ética, incorporando preocupações com saúde, sustentabilidade ambiental e segurança alimentar. Hoje, muitos associam essa escolha a questões como a preservação do meio ambiente e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas.
Durante os anos em que fui vegetariana, vivi na prática esses dilemas. A cada refeição, surgiam perguntas sobre o impacto das minhas escolhas e o equilíbrio entre tradições culturais e valores éticos. Com o tempo, voltei a consumir carne em algumas refeições, mas a experiência me lembrava que comer vai muito além de nutrir o corpo. Cada decisão alimentar carrega histórias, significados e uma conexão com o mundo ao nosso redor.
Hoje, o flexitarianismo, uma abordagem mais flexível que incentiva a redução do consumo de carne sem eliminá-la completamente, tem crescido e ganhado popularidade. A Sociedade Vegetariana Brasileira já reconhece o termo e discute sua importância em promover um consumo alimentar mais sustentável e razoável para o meio ambiente. A redução do consumo de carne se tornou uma das principais pautas de reflexão sobre práticas alimentares em sociedades contemporâneas.
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Atualmente, cerca de 14% dos brasileiros se declaram vegetarianos, segundo pesquisa do Ibope realizada em 2018, representando impressionantemente quase 30 milhões de pessoas. Além disso, uma parcela significativa da população demonstra interesse em reduzir o consumo de produtos de origem animal, indicando uma mudança gradual nos hábitos alimentares do país.
O vegetarianismo, em suas diversas formas, continua sendo uma expressão de escolhas éticas, religiosas e ambientais, que nos convida a pensar no impacto de nossas decisões alimentares para além do prato, no mundo que compartilhamos.