A confeitaria Mole Antonelliana, em Belo Horizonte, serve uma versão da torta Saint Honoré de comer de joelhos -  (crédito: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

A confeitaria Mole Antonelliana, em Belo Horizonte, serve uma versão da torta Saint Honoré de comer de joelhos

crédito: Ramon Lisboa/EM/D.A Press

Nasci curiosa. Falo isso porque tenho uma foto de bebê encarando a câmera e franzindo a testa. Quem me conhece sabe que essa expressão diz muito sobre meu jeito de ser. Involuntariamente, quando junto as sobrancelhas, demonstro que estou concentrada, prestando atenção na conversa. Talvez por isso tenha escolhido ser jornalista.

 

Sempre tive muita curiosidade com os nomes das coisas. Outro dia, estava almoçando no restaurante Gero e o garçom me indicou a sobremesa do dia: torta Tenerina. Aquele nome já me deixou curiosa, quis entender. Aí o chef Marcelo Pace veio até a mesa contar que a torta de chocolate, de origem italiana, foi criada, no fim do século 19, para homenagear uma rainha, a Tenerina, descrita como uma mulher durona, mas com o coração mole. Isso explica a casquinha crocante por fora e a cremosidade por dentro.

 

 

A curiosidade me levou a pensar em outras sobremesas com nomes de pessoas e que contam histórias. Na hora, me lembrei de um clássico, a pavlova. O suspiro em forma de bolo com recheio de creme e cobertura de frutas vermelhas foi inspirado na leveza da bailarina russa Anna Pavlova. Nova Zelândia e Austrália reivindicam a criação, datada de 1926, durante uma turnê mundial da artista.

 

Na França, fiz uma descoberta interessante. A torta Saint Honoré leva o nome do santo padroeiro dos confeiteiros e padeiros. A invenção, de 1846, é montada em forma de coroa e tem camadas de massa folhada, creme e bombinhas banhadas em caramelo. A confeitaria Mole Antonelliana serve uma versão de comer de joelhos.

 

 

Voltando à realeza, dizem que a receita original da torta Charlotte surgiu na Inglaterra, no início do século 19. O nome reverencia a rainha Charlotte, casada com o rei George III, que tinha uma verdadeira paixão pelo biscoito ladyfingers. Na série da Netflix “Bridgerton”, que mostra a alta sociedade inglesa dessa época, incluindo a Charlotte (rainha), as mesas suntuosas de doces contam com a beleza da Charlotte (torta).

 

A receita passou por transformações ao longo do tempo. Mas, basicamente, forma-se a partir da combinação de creme ou mousse com frutas frescas envolvidos por biscoitos champanhes de pé. Charlotte faz parte das minhas memórias com a minha avó Marlene, que fazia de jeito bem diferente. O doce dela era montado num pirex com camadas de biscoito champanhe embebido em chocolate, creme de leite condensado com gemas e creme de claras. Como ficava no freezer, sempre me gerava aquela ansiedade na espera para derreter logo.

 

 

No Brasil, o bolo Souza Leão, um dos mais antigos do país, tem ligação com a história de Pernambuco, tanto que se tornou Patrimônio Cultural e Imaterial do estado em 2008. O nome vem da família Souza Leão, dona de muitos engenhos no auge do ciclo da cana-de-açúcar. Contam que Rita de Cássia Souza Leão Bezerra Cavalcanti serviu sua especialidade para Dom Pedro II e Teresa Cristina, quando o casal de monarcas visitou Pernambuco, em 1859.

 

Conhecido como “rei dos bolos”, o Souza Leão é uma mistura de massa de mandioca, leite de coco, açúcar, manteiga e gema de ovo. Alguns podem ter especiarias. Cada família pernambucana tem o seu jeito de fazer, o que levou Gilberto Freyre a escrever no livro “Açúcar”, de 1939: “Consegui várias receitas desse manjar, mas todas se contradizem, a ponto de me fazerem duvidar da existência de um bolo Souza Leão ortodoxo.”

 

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A presença das gemas remete aos doces portugueses conventuais, enquanto o uso da mandioca revela uma identidade brasileira. O bolo fica denso, com textura de pudim.