Estava na frente de uma vitrine linda de bombons, com aquela dúvida de sempre sobre qual sabor pedir. Enquanto admirava, sem pressa, as cores das pinturas feitas à mão no chocolate, percebi que uns eram visivelmente menores que os outros. Ouvi a confirmação do atendente: a fábrica teve que diminuir o peso em 5g para driblar a alta do cacau, senão os preços quase dobrariam. Naquele momento, a crise do setor se materializou bem diante dos meus olhos.
Fui em busca de notícias atualizadas e encontrei manchetes como “cacau lidera a alta de commodities agrícolas em 2024” e “volume de amêndoas recebido pela indústria caiu 18,5%”. Deixando de lado o economês, bati um papo com a confeiteira Carol Mesquita, que está fazendo pós-graduação em chocolataria – a origem da alta do cacau é um dos assuntos em discussão – para entender como chegamos até aqui e o que esperar neste novo ano.
Bom, essa é uma crise mundial e multifatorial, a maior dos últimos 50 anos do setor cacaueiro, puxada por questões ambientais, estruturais e sociais em países africanos, que abastecem cerca de 60% do mercado global. As mudanças climáticas, que provocam aumento das temperaturas, somam-se às pragas (a mais famosas é a vassoura-de-bruxa), formas de cultivo inadequadas e questionamentos sobre a mão de obra (mal remunerada ou até mesmo trabalho análogo à escravidão).
Diante de tudo isso, Costa do Marfim e Gana, os principais produtores, entregaram de 30% a 40% menos cacau nos últimos dois anos, o que fez os preços dispararem, seguindo a lógica da lei da oferta e da procura. Para se ter uma ideia, o pacote de chocolate de 2kg que custava R$ 60 no ano passado hoje está sendo vendido a R$ 125, ou seja, mais que dobrou.
E mais, o mercado passou a travar uma disputa desigual pelo pouco de cacau que existe. Vide o caso de um pequeno produtor de chocolate bean to bar (do grão à barra) que juntou dinheiro para comprar a matéria-prima e pagou adiantado. Quando foi buscar, soube que uma indústria tinha oferecido o dobro do preço. Resultado: ficou sem.
Em paralelo, o movimento tree to bar (da árvore à barra) ganhou força. Tanto pelo lado de produtores, que viram vantagem em fabricar chocolate em vez de vender cacau a preço de commodity, quanto pelo lado de grandes indústrias, que não querem correr o risco de ficar sem a matéria-prima e decidem plantar o próprio cacau. Isso é ótimo para o mercado de chocolates, mas, no momento, só diminui a oferta do fruto.
Já que, no curto prazo, o horizonte ainda é de baixa oferta, preços elevados e até a possibilidade de falta de insumos nas prateleiras, o que os confeiteiros podem fazer para driblar a crise do cacau? As dicas valiosas são da Carol, que trabalha como consultora, dá cursos e desenvolve coleções especiais de doces. Mais do que nunca, é preciso usar a criatividade.
- Revise a precificação dos produtos;
- Reveja o cardápio e considere descontinuar itens com chocolate que são pouco vendidos;
- Ajuste as receitas para usar menos cacau. Para não perder qualidade, diminua os tamanhos, faça casquinhas mais finas, crie bombons recheados, invista em dragês e pense em sabores que vão além de brigadeiro e ganache de chocolate;
- Adeque as técnicas para evitar perdas e reaproveitar sobras de chocolate na produção;
- Cuidado para não cair em ciladas. A indústria está desenvolvendo produtos de sabor chocolate (que não são chocolate), com poucos sólidos de cacau e muita gordura hidrogenada.
- Mostre que o seu produto tem valor, independentemente de preço e de tamanho, investindo em campanhas e embalagens temáticas. Menos chocolate e mais presente.
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Toda crise é uma oportunidade de aprender e repensar processos. Por isso, Carol enxerga com otimismo o que vem pela frente. Lá fora, os produtores de cacau terão que rever formas de cultivo e relações de trabalho, priorizando a sustentabilidade. Por aqui, estão surgindo novas áreas cacaueiras – em São Paulo, por exemplo. Quem sabe logo não seremos autossuficientes, sem depender da importação? O futuro do chocolate depende de ações do presente.